Os Últimos Homens

No meio das cinzas, caminho atormentado,

No meio dos escombros, esforço-me para ficar de pé,

No meio da desolação, procuro alguma fé,

Contemplo os corpos, o fogo, a fumaça, angustiado.

Piso em alguma coisa de plástico,

Era um braço de uma boneca de criança,

Tal criatura que simboliza a nossa esperança,

Porém, não encontro criança alguma nesse dia fatídico.

Um dos meus sapatos esta sem o solado,

Deixando um dos meus pés livre para ser queimado,

Pelo calor das pedras de concreto bombardeado,

Pelas armas atômicas, químicas, biológicas às quais fomos vitimados.

Alegro-me ao ver um rio mais adiante,

Estou com muita sede, não bebo nada desde ontem,

Torço para que ele não tenha sido contaminado,

Dou um sorriso cinzento, noto que lá não estarei desacompanhado,

Existem alguns homens, almas que não quiseram morrer, arredias,

Bebem uma água escura, deitados ou ajoelhados,

Não consigo vê-los com clareza, a fumaça não alivia.

Durante o caminho, lembro-me de como era antes...

Do tempo em que eu era apenas um advogado,

Queria ver sempre o meu cliente inocentado,

Ladrões, traficantes, pedófilos e aliciantes.

Dava mais atenção a esses seres do que a minha familia,

Trancava-me no meu escritório, fechado em mim mesmo,

Minha espôsa batia na porta, eu não abria,

Meus filhos batiam na porta, eu não abria,

Hoje, ninguém mais me pede para abrir a porta,

Pois todas essas pessoas estão mortas.

E pergunto-me: Por que sobrevivi?

Nunca fui um santo, nunca fui um bom pai, nunca fui um bom marido,

Tenho inegavelmente todas as qualidades para ser destruído.

Será que fui poupado para ser castigado?

Talvez os sobreviventes serão os mais flagelados,

Para que não se esqueçam dos vários erros que cometeram,

Para que se lembrem do amor que não ofereceram.

Aproximo-me agora dos últimos homens,

Noto que são jovens, velhos, mulheres,

Seus corpos estão cobertos pelo pó cinza-escuro,

Possuem roupas rasgadas, com ausência de cores.

Ajoelho-me bem próximo à margem do rio,

Parece-me que a àgua esta suja, mas não espuma,

Água que representa as nossas almas degradadas, as nossas penúmbras,

Pois bem, não tenho outra opção, sofrerei com esses homens,

Caminharei com eles para o nosso destino: o percurso das almas imundas.

* Todos os Direitos Reservados pelo Autor.

Fábio Pacheco
Enviado por Fábio Pacheco em 04/04/2006
Reeditado em 13/05/2006
Código do texto: T133660