Conto serrano
Em homenagem ao dia de hoje, dia 20 de setembro.
Que dó dos tempos que passaram
Que só em sonhos por vezes invoco,
Causos nos sítios em um bar Serrano
No escuro breu junto a velas e tábuas.
E lá pelas tantas, reconhecia-se tios e avôs
E os amigos por entre a farra gargalhavam,
Eram dias de comemoração da Festa do Divino
Uma noite fria de lua furtiva e minguante.
Lembro-me bem desses ternos tempos
Por guardá-los com carinho na memória
Bebia-se vinho e jogava-se cartas
E até o padre sentava em uma mesa.
O cricrilar dos grilos ressoando
O bater de asas dos pássaros noturnos
Também o cheiro da lenha queimando ao forno
Onde o bodegueiro preparava pinhões e o mate.
Um relógio antigo preso à parede contava
Nove e meia, ‘inda cedo para os homens
As mulheres junto aos rosários retiravam-se
Indo para casa, deixando seus esposos.
Quando cedo, por vezes apareciam
Uma que outra prima de olhos assustados
Larissa de olhos esverdeados,
Marina com eles castanhos;
Seus rostos eram belos e serenos
Como a mãe artesã da família dos campos.
Eram Deusas as primas, ninfas nascidas
Que serão mães amanhã ou depois.
Nós homens, eu menino, mas já homem
Queria dar a todos entender que eu era bravo
Crescido, dependente, até tomava tragos
Observando as mesas e o campo lá fora.
O bar, era o único que surtia luz,
Ao longe um cavalo desperto relinchava.
Eu escutava tudo com curiosidade
Nascido no campo não me tiravam a coragem!
Havia os sabidos da vila que me ensinavam
A ser consciente da história de nosso pago:
O padre era homem já envelhecido
Que pouco falava, a não ser quando aconselhava.
Vinha de tordilho, o homem, entre os Pampas
Viajava para atender as capelas das estradas.
No bar jogava com os olhos imóveis
Só se via a sombra de seu rosto cansado.
O Seu Morais, bravo senhor açoriano
Velho de experiência, vaqueiro de sangue
Corria com os mais novos quando atrapalhavam
Mas cordial e ébrio contava suas histórias.
Por ali também se sentava Carlo
Um índio conhecido nos arredores
Sempre supersticioso, caboclo enrijecido
Pela lida no campo aprendida na infância.
Piá – Dizia, com copo na mão,
Cuida de ti e dos outros
Não há bem maior do que isto
Só pedir a Deus que nos dê força…
Depois que finda a existência,
Há o juízo derradeiro,
Então te cuides, que és jovem
E há de ver muito nessa lida!
A sombra, a lâmpada em canto
O relógio correu um bom tanto
Dez para meia-noite! Dez para meia-noite!
Eu que deveria dormir, mas eia!
É feriado, pessoas festejam dentro e fora,
Ninguém pensa no dia de amanhã.
A tontura do vinho pesa um pouco
O frio que entra de fora pouco me aflige
Sou como o Sepé, ali, deitado em um canto
Cachorro que treme e as vezes levanta.
Estaremos no bar! Eu e você
Com os adultos a contar algum causo
Longe das cidades onde tudo acontece
Aqui só Deus e fantasmas que nos conhecem.
À meia-noite um cachorro uiva lá fora
O bodegueiro sai para olhar o breu noturno
Como se estivesse desconfiando de algo
Como se na vila o mato circundante a tomasse.
Cada canto da imensidão escura da noite
Esconde algo que pouco sabemos
A vida é um mistério, mas hei-nos cá
Homens de fibra sem medo de nada.
Depois, perto do amanhecer
Os bêbados cambaleantes vão-se embora
Carregando uns aos outros no ombro
E os mais sãos ficam ali proseando.
O índio boceja e o padre dormita
O bodegueiro recolhe as cartas e olha o relógio
Seis e dez, o sol começa a dar as caras
Por entre nuvens negras lá de fora.
Os pássaros acordam, o leiteiro passa em frente
Com sinos a mostrar ao povo o produto fresco.
O gramado vívido, verdejante e exuberante
E o galo anuncia mais um dia que nasce.
Eu, que não sou pouco, visto o chapéu
E nem dou-me o trabalho de apressar o passo
Não precisarei lidar no campo no dia de hoje
E salto já cochilando na carroça que parte...