O Pescador

Aquele que se debruça no parapeito

Tem olhar fixo num ponto de fuga

Algures no farolinho à entrada do cais

Onde o sol envelhece já alaranjado

O olhar ainda tem resquícios do sal

Que se entranhou nas cavidades

Das ondulações da vida que o engoliram

Nos idos tempos de juventude

Tantas tempestades com tanta ferocidade

Com força de o arrastar para o fundo

Mas nunca lhe esgotou o querer

De manter o espírito à tona da água

Vai ao bolso onde tem o isqueiro

Mas é o direito e não o esquerdo

A saliva estragou a pureza deste cigarro

Que se dissipa a cada passa

E vai passando e dissipando como tudo

Como aquela memória do tempo de escola

Quando a força da onda tombou o barco

E atirou-os ao mar, à cova imorredoura

Santo André içou-os para o barco

Mas quando viu aquele menino miserável

Deixou-o ali aflito e remou até ao cabo

Tinha espírito precioso demais para esmorecer

Só em velho se recorda das tempestades

E das calmias que o vento lhe trouxe

O seu espírito não se esqueceu de nada

E as suas lágrimas salgam a terra