Tragédia Infantil

 

No chão eu colocava

Minha boneca

Ao lado do monte de paus

Cortado a machado

Que mais tarde meu avô

Aplainaria

E numa cadeira

Com assento trançado de taboa

Transformaria

Ela era linda

Dentre tantas a preferida

Cara de anjo e olhos azuis

Que uma vez deitada dormia

Um vestido azul rodado

Para combinar ela possuía

Minha avó era mestra em panos

E com sobras ela costurava

Os vestidos em forma de encantos

Uma vez arapuca montada

Em meio ao amplo terreiro

Trançando de quatro em quatro

Habilidosa, uma casa executava

Almejando a perfeição

Apesar da tenra idade

Exigente e metódica

Exemplos eram o que não faltava

Num acesso de fúria

Diante da pilha entortada

Resolvi começar de novo

E paus voaram pelos ares

Quando um deles foi parar

Exatamente sobre ela

Provocando um irreversível

E monstruoso acidente

Esmagando sua cabeça

Única parte quebrável

De um corpo plástico

De bebê que chorando

Desconsolada eu embalaria

Pedi socorro a altos brados

Sapateei e berrei

Segurando-a nos braços

Querendo que alguém

Me dissesse que possivelmente

A restauraria.

Desolados os adultos acudiram

Assustados, olhando os mil pedaços

Em que se transformara

Aquela bela cabeça de olhos

Móveis e límpidos

De uma beleza sem par

Não havia mais solução

Só me restava aprender

A viver com a frustração

De ter sido eu própria

A causadora da desgraça

E foi então que aprendi

Que milagres não existem

E para sempre ter que conviver

Com as lembranças, hoje tênues

Daquele trágico período da infância

 

 

 

 

 

Roseli Schutel
Enviado por Roseli Schutel em 01/05/2022
Reeditado em 03/05/2022
Código do texto: T7507162
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