Cabra Pretinha


Lá vem vindo uma cabra toda pretinha cabisbaixa,
Adentrou-se no Capril sem ao menos ser chamada,
Não estava doente nem nada, apenas um pouco assustada,
É que ela havia perdido o caminho de casa.
 
O caprinocultor, a princípio não a viu,
Mas percebeu o alvoroço de toda a sua malhada,
Cabras de todas as raças, brancas, marrons, avermelhadas.
Todas fixaram os olhos,  naquela que ali chegava.
 
Obra do acaso talvez, ou designo ruim do destino?
Pretinha só buscava alimento pra se curar de um mal.
Machucada percebeu que devia, logo, logo se esconder,
Foi quando avistou o monte de feno, que a podia proteger.
 
Lá Pretinha se deitou, e da mira dos olhos das outras, se livrou.
Então, todo fato parou de berrar, como por um encanto.
 
O  dono se deu conta que algo devia fazer,
As suas cabras de raça ele não podia perder.
A Alpina, a Saanen, a Canindé- é preciso socorrer.
Também  a Anglo–nubiana, a Murciana e a Boer.
Todas de origem nobre,  e o dono salvá-las quer.
 
Será alguma doença, que se instalou no Capril?
Mas foram todas vacinadas, medicadas em abril!
O que então as deixaram, assim possessas quase senis?
Pode ser que o dono se esquecera de por água nos barris.
 
Depois de acalmar o rebanho o rico caprinocultor,
Foi atrás da plebeia, Pretinha, que de algum modo lhe agradou.
Deu-lhe água, feijão-guandu, leucena, e a chamou:

Pretinha! Pois essa era a sua cor. E assim a batizou.
Em seguida lhe fez um mimo e dela se afeiçoou.
 
Não foi a raça, nem a cor, nem o dinheiro, não senhor.
Mas o dono colocou Pretinha em um pódio de valor
Ela não se sentiu ocultada nem tão pouco rejeitada
Ali, lhe curou as feridas, o generoso protetor.

Agradecida Pretinha esperava, o dono, na semana seguinte.
Cadê você meu salvador? Ela balia com ardor!
Mas nada adiantou. Ele se foi. Ela ficou.
O que ela temia aconteceu.
O anjo protetor escolheu aquelas de raça pura,
Que lhe rendia dinheiro, carro novo e avião.
E foi assim que a Pretinha,
Perdeu a razão de viver.
Voltou a definhar machucada.
É que se abriu outra ferida,
Só que, agora, não no corpo,
Mas em lugar mais profundo.
Na alma do coração.


 
 Passaram-se noites e dias, 
A Pretinha nem mais comia,
Ficou fraquinha a coitada,
que nem mais se levantava.
Confinada, permanecia, no porão
De um velho casarão.
Às vezes, também, os animais
podem entrar em depressão.
E pelo visto a Pretinha
Vivenciava essa situação.
Sem alguém que a cuidasse,
A vida perdeu a razão.
Mas eis que numa bela manhã,
Pretinha acordou assustada,
baliu com força e correu
como podia em disparada,
mesmo com  suas pernas fracas.
Parecia que tinha visto
um animal predador.
Mas para nossa surpresa,
Era o Caprinocultor.
Que veio ao seu encontro 
A passos largos , corridinho.
Ela agradecida,  desdobrou-se em carinho.
Compadecido então, agachou-se até o chão

E lhe disse emocionado:
Vim buscá-la minha Pretinha.
Não posso deixá-la morrer.
Vou levá-la ao meu Capril.
Lá você terá: remédios, água, ração especial.
Vou tratá-la  como merece
Não como uma SRD ( sem raça definida), 
E você logo irá perceber.
Levantarei o seu quadril, aprumarei o seu porte.
Colocarei você em ativo processo de aculturação
E assim que adaptada estiver,
não se importará com a Boer,
a Nubiana e a Canindé,
E assim que preparada, levar-te-ei à exposição.
A uma exposição de “marotas” que representa tua nação
Irá ganhar o prêmio maior em toda competição
Pois, agora bem nutrida,
Viajaremos por este Brasil a fora,
Para representar o Capril.