OUTRA MADRUGADA

Estou de volta Aureliano

noutra madrugada fria,

numa estranha liturgia

de esperanças e ilusões,

eu quero abrir os varões

da cancela de meu peito,

mas sentindo sempre o efeito

dos pealos de corações...

Trago nestes olhos fundos

grandes marcas doloridas,

de noitadas indormidas

pensando sem compreender...

Por que é que este meu ser

levado a grito e a pelego,

mais se parece a um borrego

predestinado a morrer!

No corredor da existência

eu vivo penalizado,

porque o pago anda mudado

do peão até o patrão,

nas rodas de chimarrão

já não se houve uma cordeona,

e o que mais me emociona

falta a charla de galpão.

Já não há sinceridade

não podemos confiar mais,

o que sinto nos meus ais

eu me recuso a explicar,

pois eu não sei decifrar

o amargor duma derrota,

e sinto muito remota

vontades para mudar.

E sem pago, sem minuano,

que alegravam as tristezas,

sinto no peito a rudeza

da saudade em estropício,

pois forçado pelo ofício

vivo longe da "Querência",

e como é penosa a ausência

a nos corroer como um vício.

Já não namoro contrito

uma roda de carpeta,

já não sou o chiru trompeta

andarengo e peleador,

já não sou o mesmo valor

sobre o trono dum lombilho,

já nem o meu pingo eu encilho

para encontrar o meu amor.

Até parece mentira

que este índio mui retovado,

que à cabra mal encarado

na lida não dera pouso,

que ao redomão mais fogoso

cortava a mango e chilenas;

Só o achego das morenas

acalmava este espinhoso.

Quem me visse em outros tempos

renegado e caborteiro,

não aguentava baixeiro

nem tão pouco desaforo,

eu berrava como touro

e gaudério me largava,

ainda na saída cantava

igual ave de mau agouro.

Não era qualquer pavena

que pra mim fizesse frente,

era guasca indiferente

a qualquer agouro ou praga,

e já riscava de adaga

o taura que me afrontasse,

era como dar um passe

na chinoca de alma vaga.

E nos fandangos de antanho

entrava só de carancho,

desconfiado e também ancho

com a venta bem acesa,

olhava na redondeza riscava

o salão de esporas,

tem bagunça sem demora

gritava com aspereza.

Olhava a china mais linda

das ancas bem retovadas,

numa vaneira marcada

me largava caborteiro,

não era qualquer matreiro

que topava comigo a esmo,

parecia não ser eu mesmo

era muito bagunceiro.

Mas hoje caro AURELIANO

o nosso Rio Grande é outro,

pois aquele seu ar de potro

selvagem, abarbarado,

cusquilhoso e mal domado

que não deixava lombilho,

perdeu todo o lindo brilho

"ELE“ vive abichornado!

Te peço amigo AURELIANO

se assim eu posso-o tratar,

que corte este meu penar

e dê um jeito em minha vida,

cortando esta mágoa doída

ao menos no pensamento,

que eu sinta por um momento

cicatrizar a ferida...