Mãe

O jeito que eu escorreguei pelo lado do útero.

Como meu corpo pequenino ainda placentário

Escorreu por entre os dedos, escapuliu, fugiu.

Como eu corri dos parquinhos dos brinquedos

E me escondi detrás de uma árvore

Sem que você me visse.

À espera de que você me procurasse.

Como eu inventei uma palavra nova.

Eu me ausentei, para que você me chamasse.

Me pegasse pelos braços, ressucesso, ressoluço, nova chance.

Para que você me esquecesse, e se lembrasse (de mim).

Para que você me desconhecesse, e me encontrasse.

Para não ser a imagem do teu ódio,

Do teu aborto, da tua lágrima.

E ser outra coisa, quem sabe?

Recém-nascido, recém-adotado, algo novo, desejo.

Mas esse pesadelo, esse escândalo, esse fim de mundo.

Essa tempestade, essa carência, essa melancolia.

Essa quarta-feira de cinza de vida, de menino.

Que só serviu para roubar como ladrão

O sonho impossível da felicidade.

Mesmo — por ser impossível.

Eli Jardel Alexandre
Enviado por Eli Jardel Alexandre em 20/03/2024
Reeditado em 20/03/2024
Código do texto: T8024314
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