Era Eu

Nair Damasceno

Eu a vi em sonhos,

Em um tempo já ido,

Com seu corpo à mostra,

Ferido.

Tinha uma mão mais preta que a minha,

Boca carnuda, sensual,

Seios que alimentavam muitas bocas,

No olhar um misto de amargura e treva

Sem igual.

Eu a vi em sonhos

Com seus cabelos encaracolados

Parecidos com o meu,

Dentes perfeitos

E olhos negros como a noite,

Cheios de dor.

Eu a vi chorando lágrimas de fel

No funeral de todos os seus sonhos

E a ouvi entoando um canto triste

Por sua esperança perdida.

Eu a vi em sonhos

Em busca dos seus sonhos,

Em busca do seu chão,

Do cheiro da terra,

Em busca do seu coração e da sua alma.

Buscava também o rosto amado,

Era o corpo que a aquecia.

A lágrima escorria silenciosa

Pelo seu rosto escuro como breu.

Desejei saber quem seria

E reconheci sua voz quando me respondeu:

Deus meu,

Era eu!