Sexta-Feira
Quero chorar.
Me olho no espelho sufocado
Com a garganta entalada
O espírito aprisionado
Dentro desse recipiente apertado.
Quero chorar.
Entalhar a cara no piso
Rasgar a alma no grito
Com todas as dores
Que nem posso sentir.
Quero chorar.
Escondido nas cinzas
Dessas ausências de cores
Que os dias são.
Quero chorar.
Ajoelhar rendido,
Olhos baixos, sentindos
Ao ver os grilhões circundantes
Dessa prisão invisível.
Quero chorar.
Para, quem sabe, esvaziar
Para, talvez, respirar
O ar envenenado
Dessa vida de boa
Ou não tão boa assim.
Quero chorar.
Pela saudade profunda
Dos anos que não voltam
Dos abraços pretéritos
E pelo perfume que não sinto
Desde semana passada.
Quero chorar.
Por isso e por aquilo
Sem razão específica
E por todos as outras coisas justificáveis.
Quero chorar.
Sem ter que me explicar
Ao mesmo tempo que desenho
Rabiscado, grotescamente
Todos os meus motivos.
Numa tela, observada
Por quem entenda de arte abstrata.
Quero chorar.
No começo gritado
No final de forma fetal
Recolhido aos travesseiros
Silente, doente
Sem remédios
Esquecido por livre vontade
No fundo do quarto.
Quero chorar.
Quero chorar!
R.W.