O Cruel Destino da Cintilante Vermelha

Desculpa-me Cintilante Vermelha...

Tua beleza me atraiu então a "colhi"...

Ao levá-la comigo, pretendia ofertá-la a minha amada...

Mas quando vi suas pétalas pelo chão me arrependi, corri de volta para casa...

A envolvi nos meus braços, rezei aos santos que conheço que a protegessem da minha ignorância e brutalidade, cheguei em casa então...

Não encontrei quem pudesse ajudar, você estava morrendo ali, em minhas mãos, o brilho de suas pétalas lentamente se esvaindo, busquei água, água às vezes resolve para os humanos, você parecia respirar novamente, agradeci aos céus, e lhe perdi perdão, não sabia que lhe traria sofrimento, prometi replantá-la assim que o sol da amanha surgisse naquela janela, adormeci com os olhos presos naquela pequena Cintilante Vermelha, pensando...

Por que algumas vezes o que admiramos queremos para nós? Como se fosse direito, propriedade, posse...

Como se não existisse outro propósito além de pertencer a nós, pela força, ou por qualquer outro meio julgado superior...

Percebi que ao cortar a Cintilante Vermelha ela sangrou, mas não sei qual a cor do seu sangue...

Ela chorou, mas não pude ver suas lágrimas...

Sentiu dor, mas não pude ouvir seu gemido...

Isso não faz de mim inocente, mas culpado ainda mais...

Pois gostaria que tudo a minha volta respondesse claramente, em minha língua, com meu sangue, com minha expressão de dor...

O que eu não compreendo ou meus olhos não alcançam não precisam de minha permissão para existir ou seguir seu propósito...

Que direito tenho eu de amputar uma rosa? Que direito tenho eu de eliminar a vida de qualquer forma que isso pareça?...

Penso comigo, seria necessário que pingasse sangue da roseira para eu rever meus atos? Seria necessário eu escutar a dor para parar de ferir?...

Quem sou eu para julgar o que é relevante?

Não sou nada além de alguma coisa entre o que minhas mãos alcançam ou não...

Não sou nada além de alguma coisa feita da mesma coisa que tudo mais a minha volta...

Mais agrupado, menos agrupado, pouco importa, pouca diferença faz...

...

Acordei pela manha...

Havia muitas pétalas murchas sobre a mesa...

As poucas pétalas que no caule restaram não exibiam mais o vermelho cintilante, agora um vermelho rubro escuro, vermelho de morte...

Seu perfume de outrora desapareceu, por minhas mãos ela morreu...

Comovido e culpado por sua morte chorei desconsolado, minhas lágrimas caiam como a água que inutilmente a encharquei no dia anterior...

Com ela em minhas mãos fui até a varanda, onde prometi replantá-la, e como prometido o fiz...

Lá nunca mais nada plantei planta, folha ou flor alguma...

Tornou-se a Jazigo da Cintilante Vermelha, um lugar não ocupado em meu jardim...

Sempre que eu olhar para aquela pequena porção de terra vazia, ei de lembrar o que aprendi aquele dia...

Passo perto da roseira vejo suas iguais, as admiro, toco em suas pétalas, respiro teu perfume...

Sigo então meu caminho, não irei amputar nenhuma outra mais, foi o que prometi...

Sua Beleza não pertence a ninguém, só a ti mesma Cintilante Vermelha, não sou teu dono, teu possuidor, não é meu o direito, não sou eu o criador, também não posso ser o destruidor...

Ainda que floresça em meu jardim não é minha a vida tua, ainda que meu regar a deixe mais formosa, não sou eu o dono de tua beleza, és livre mesmo tendo raízes, perdoa-me por não ver, perdoa-me por não respeitar...

Sou muito ligado à meus sensores, assim como minhas máquinas e computadores, tenho forte tendência a desacreditar o que meus dispositivos não sentem ou não enxergam...

Mas diferente de minhas máquinas ainda reside aqui uma alma, com espaço mesmo que limitado para sentimentos...

Sentimentos que você, Cintilante Vermelha, fez aflorar novamente assim como suas belas pétalas de outrora...

Zeu Rodrigues
Enviado por Zeu Rodrigues em 05/06/2014
Código do texto: T4833698
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