Um fato em foco de um cidadão comum

O quanto a gente se entregou...

Minha memória voa em busca das lembranças

pra percorrer o passado todinho

pra reviver uma vida

aqui nessa mesa

antes que chegue a madrugada

antes que o bar feche

antes que comece a agitação

dos dias que sempre são agitados

mesmo aqui

nesse recanto

no canto do centro da cidade.

Quantas vezes me afoguei na melancolia

tragando a amarga cerveja

ora veja eu não pensei

que isso pudesse acontecer.

Quantas vezes você me esperou

com a comida na mesa

esfriando aos poucos

com os olhos atentos na maçaneta

presos no relógio de parede

e viu surgir outro sol

nascer outro dia

e eu estava aqui

nessa mesma mesa

desse mesmo bar

com a mesma cerveja

ainda difícil de tragar

com esse mesmo ar

querendo ir pra casa

com os olhos em brasa

bebendo pra deixar de ser eu

trago após trago até transbordar

até que eu não pudesse pensar

até que eu não pudesse lembrar

até que eu não pudesse chorar

e no dia seguinte

naquela mesma mesa

daquele mesmo bar

com a mesma cerveja

já mais fácil de tragar

a saudade eu ia embebedar

e em casa meu prato quente

uma cama macia

um banho morno

um bolo no forno

isso me doía

mas eu não voltava

mas eu nunca voltei.