Descansa, Meu Atlas

Eu só queria dizer

Que ainda desço as escadas

E abro a porta da sala

Esperando encontrar

Você

Razão

Ânimo

E que

Ainda me sento na cadeira

Na mesa da cozinha

E preparo o almoço

E abro a porta novamente

Para você entrar

Abro a porta esperando

Te encontrar

Me sinto patético

Quando propositalmente

Deixo pedaços da minha comida

Para você

Que sempre me fez companhia

Nessas e outras horas

E quando termino

Imediatamente me lembro

Das brincadeiras, refeições

Dos apelidos pejorativos

Sempre ao meu lado

Em todas as ocasiões

Inabalável

Feliz

Leal como é a lealdade

Do esplendor que era sua felicidade

Eu estava afundado em depressão

Quando encontrei você na cidade

E você

Tão pequena, viva, frágil

E ainda sim

A mais forte entre nós dois

E você lutava todos os dias

Contra esses demônios

Fez disso sua alegria

Jamais negou combate

Era meu pequeno sonho

Que se tornou realidade

Eu jamais fui bom para você

Como você foi para mim

E quando você envelheceu

E o cancêr, o seu demônio

Veio lhe dragar

Eu fiz o máximo que pude

Para não te deixar

Mas você era a mais forte entre nós

Sempre foi

E eu me lembro vividamente

Da última manhã que passamos juntos

Seus tumores

Te devorando de dentro para fora

Mas mesmo no seu pior

Você deu seu melhor

Para se mostrar feliz

Saiba

Que quando te botei no carro

E te levei para aquele que seria

Nosso último passeio

Eu estava trêmulo, tentando ser durão

Tentando mostrar para você

Que toda sua luta

Não havia sido em vão

E que tudo que havia em meu peito

Era gratidão

E eu te amei do dia que te conheci

Ao dia que ouvi seu coração

Parar de bater

E me lembro da lágrima que você chorou

Na nosso último olhar

Acho que você sabia

Que aquilo era um adeus

E lutou para seguir ao meu lado

Tomada por aqueles

Malditos tumores

Até o fim

Meu colosso, meu bastião

Atlas segurando o peso

Do meu mundo

Descansa, meu Atlas

Descanse seus velhos ossos

O peso desse mundo

Já não é mais seu fardo

Agora não há dever

Não há mais fome

Não há mais frio

Não há cancêr

E você só dorme

Quando quer sonhar

Descansa, meu Atlas

Eu te amo tanto

E sei que tenho que te deixar ir

Para o seu descanso

Ninguém jamais entenderá

O que você significou para mim

Boa noite

Boa viagem

Descansa, meu Atlas

Você lutou ao meu lado

Por 15 longos anos

Descansa, não se preocupe

Uma hora dessas

Qualquer dia desses

Vou parar de descer as escadas

E procurar por você

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 18/04/2024
Reeditado em 19/04/2024
Código do texto: T8044259
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