Céu de saudades

Vó é palavra que escorre gostoso na boca

Vô é lembrança traquina

é presente que horizonta a gente

Deusa quem deu

Deusa quem dá

presente que nunca acaba.

mesmo partindo,

inda dão de comer aos sonhos

adoçam lembranças da gente.

Vó barria a casa,

qu’a moita de bassorinha amarrada no cabo.

pentiava o cabelo e prendia c’o missi

aquele cabelo pretinho, pretinho…

Com dor de estômago,

tomava istambazil e logo passava.

Mandava disimborcá a precata

que era pra num chamá a morte.

Tinha sempre nome pra tudo com nome difícil!

pra coisa de nome esquecido

e nome desconhecido

Pega a bichinha pra mim, siá menina!

Se nome da gente não vinha à memória

Bichinha era nome, num sopro!

Bichinhaaa, venha cá!

Era hora do pão doce com leite

pão de milho

coisa que só em casa de vó se achava

Vô, tinha jeito de bravo

sentado ao passeio

pensava, pensava…

e achava na caixola

nascimentos em madeira -

uma casinha e um miliê

Nunca soube porque uma espingardinha em madeira se chamava miliê

O miliê era pra defender das onças - Vô dizia

e sentado, me punha nos joelhos

Serra, serra, serradô

Serra o papo do vovô

Era quando eu via o céu de cabeça para baixo.

Segura por suas mãos, descia a cabeça até o chão

e o céu era chão

e o chão era céu.

Hoje ainda,

deitada na rede,

jogo a cabeça para trás

e o céu vira chão outra vez

vó e vô n’alguma dupla de estrelas

me brilham sorriso.

Eva Vilma, da gaveta de saudades.