Entre o trem e o seu apito há um mito chamado Saudade
Sempre que você avistar um trem
daqueles lá das Minas Gerais
assim como um daqueles queijos que têm alma
por favor, lembre-se de mim
por talvez ter bem mais afinidade
que alguns que de verdade nasceram lá
entre as muitas serras, matas e juritis
e dos inesquecíveis bolos de forno
mas quem sabe isso dependa da região do coração
em que more essa tal de maldosa e amorosa senhorinha
sutil e rasteirinha feito erva daninha
uma velha contemporânea minha
carinhosamente chamada de dona Saudadezinha
que com certeza inda mora na mesma cidadezinha
e que jamais abandonou aquela casinha
as margens do rio e na beira da linha
(trem e rio, rio e choro e o trem vem e o trem vai
e o rio também, mas nunca passam)
que vivem num mesmo paradoxo de maldade
pois enquanto um cresce, evolui e prospera
o outro espera enquanto míngua a olhos claros
e claro que devido a ganância humana
e dá saudade também do homem mais puro
respeitando e admirando o trem menino
correndo pra lá e pra cá às suas margens
já que ele não podia voltar
sua missão sempre foi passar
calmo, manso e devagar
lá das serras das Minas Gerais
regando o meu estado que é vizinho
todinho e da cabeça aos pés
correndo também por minha corrente sanguínea
e regando todo o meu interior
e numa canoa essa saudade danadinha
deita e rola no meu coração.
Indagora vi Mariazinha
a mais linda mineirinha
atravessando a ponte do ‘corgo’ do jenipapo
de águas clarinhas e cheias de lambari
depois da roça de dona Glorinha.
Mariazinha vermelhinha como uma amora madurinha
que de tão linda
nem assanhaço ousa se assanhar.
”Quando vim de minas trouxe ouro em pó...”
Xangô da Mangueira e inspirado na magnifica interpretação da saudosa mineira Clara Nunes.
* O rio é o Doce e os trens são muitos
nos seus infindáveis vais e vens
porém o rio não anda lá muito bem
e as matas pela quais os trens passavam
já não existem mais...também.