Saudade
Com o raiar do dia
Junto veio a saudade
Como há tempos não vinha.
Baixou sem piedade...
Saudade é como mantra
Ou lembrança somente
Que atormenta ou encanta
A vivência da gente.
Da menina da escola
Muita saudade eu tenho,
E do jogo de bola
No campinho do engenho.
Da mulher do vizinho,
Bonita morenaça,
Que fugiu de mansinho
Com um chofer de praça.
Da Maria dos Anjos
E das outras também,
Assim como outros tantos
Nomes lindos que tem.
Se a memória não falha,
Juro que eu vi na rua
De um marido canalha
A mulher correndo nua.
Sem saudade da cena,
A cortar meu coração,
Dela eu lembro com pena
E ódio do tal machão.
Dos amigos do peito
E da irmã de um amigo
Olvidar não tem jeito,
É vício ou castigo.
Duas irmãs e a prima,
Caixeiras na cidade,
Com a mais alta estima
Delas sinto saudade...
E da moça marota,
Rindo do meu espanto,
Espevitada e louca...
Justo num dia santo,
Acendendo esperança
Na minha cara turva,
Guiou-me a mão criança
Ao encontro da vulva.
E do circo de lona
A exibir mulheraças,
Palhaço com sanfona,
Fazendo suas graças.
A morena baixinha
Que me dava conselhos
Vejo de manhãzinha
Comigo nos espelhos.
De uma loirinha linda,
De pele de veludo,
Eu bem me recordo ainda
Com saudade de tudo.
E ao terminar a tarde,
Vou descobrindo, enfim,
Que esta saudade que arde
É saudade de mim.
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Na ilustração, Saudade de Almeida Júnior (Itu - SP, 1850 - Piracicaba - SP, 1899).