Saudade do olhar da inocência

Sinto saudades de meu tempo de criança. Das pernas finas e ágeis que não encontravam empecilho nas escaladas rumo às melhores ameixas de inverno.

Sinto saudades do sorriso quebrado, da banguelice natural que sorria com a alma. Hoje, muitas vezes, meu sorriso é uma máscara frente à tanta maldade.

Sinto falta dos cabelos emaranhados, livres, soltos ao vento. Perdi boa parte deles ao longo dos anos, afundada em tanto estresse.

Sinto falta da escassez do supérfluo. Não passávamos fome. Mas tudo era moderado. Para que comer dois bifes quando um era alimento suficiente para um corpo equilibrado? Hoje, luto contra uma obesidade de quem tem opções demais.

Éramos livres. Sem medo da "falta". Da falta de carinho, da falta de tempo, da falta de responsabilidade, da falta de humanidade.

Tínhamos tudo ao não ter quase nada.

Brincávamos do nascer ao pôr do sol. Nossas brincadeiras queimavam calorias: subir em árvore, pega-pega, pular elástico...

Eram tantas as opções num mundo sem vídeo game, celulares ou internet.

Nossos amigos eram nossos amigos! Brigávamos o tempo todo. Mas sabíamos o valor da amizade. Quantas vezes apanhei só para não deixar uma amiga apanhar sozinha.Tínhamos meia dúzias de amigos. Geralmente, a criançada da rua. Hoje uma criança tem milhares de amigos virtuais e não consegue ter um amigo de verdade.

Sinto tanta falta das velas. Vez ou outra tinha um apagão. Ninguém reclamava em ficar sem energia. Acendia-se velas pela casa. Tomava-se banho frio. Eu adorava fazer minhas tarefas escolares sob a luz de velas. Achava misterioso.

Sinto falta dos banhos de chuva e das chineladas que minha mãe me dava depois. Eram medicinais. Eu não adoecia.

Sinto falta do pó das ruas e da lama nos dias chuvosos. E de soltar barquinho de papel. E de empinar pipa.

Como era gostoso o sábado! Podíamos brincar o dia todo, ficar sujos como nunca. E no domingo íamos à missa. Roupinha domingueira. E na volta, um punhado de balas.

Tudo era tão magramente controlado. A roupa que eu ganhava de minhas primas mais velhas. O arroz com feijão da semana toda. O lanche da escola que eu nunca comprava.

E no entanto, era tão feliz. Meu sorriso era azul. Azul da cor do céu.

Sinto uma saudade doída: Saudade de meu olhar inocente. Não via maldade. Não sentia a maldade. Meu mundo era da cor de minha alma.

Uma alma pura, branca como um sonho inesquecível. Um sonho que jamais voltará a ser sonhado.