Carolina de Jesus

Alma forte de uma só face

Denuncia a miséria humana

A vida realmente como ela é

Sistema corrompido e torpe.

Mostra o mundo desigual e cruel

O preconceito e discriminação

Dançando e rindo de mãos dadas

Palavras secas, sem vozes.

Sociedade boa de solidariedade

Sempre a usa para um boa vaidade

Não tem dó, nem afeto, nem piedade

A falta de coração da humanidade.

Mas aqui não cabe a gramática

Meu amigo não cabe a métrica

Tampouco cabe as doces rimas

São apenas gritos sem ouvintes.

Intitulam a favelada, a mãe solteira

A mulher negra, a catadora

Eu vejo a pobre, a mãe solo

A pessoa, a trabalhadora.

Da rebelde que briga com o destino

Surge a resistência e resiliência

Registra a linguagem que expurga

Relata a fome latejante do estômago.

O doce amarelo do vômito da bílis

O lindo ar e o vazio dentro da barriga

A bela dor cabeça e as tonturas

As queridas mãos trêmulas que não se calam.

Na travessia da hipocrisia dos vivos

Na travessura incerta da nossa vida

Olhos que me sucumbem dia a dia

Para cada criança sentada na sala.

Vejo sua luta a cada aula na periferia

Vejo o olhar rebento da mesma fome

Vejo cada cabelo torturado pela moda

Vejo cada religiosidade silenciada.

Não me esqueço da nossa história

Muito menos das memórias caladas

Da cultura oprimida, marginalizada

Do povo escravizado, cortizado.

Carolina vejo você a quem tem fome

A quem tem vontade de ser

A quem tem vontade de ter

A quem tem ainda vontade de existir!