O bom gosto é hereditário

Lembro-me muito bem do meu irmão,

no seu cantinho, com a sua cachacinha

e o seu violão.

Não saía muita coisa daquelas cordas,

mas o que eu sei de música,

aprendi com ele.

E aprendi muitas outras coisas.

Aprendi a calma. Pratiquei a paz.

Trabalhamos juntos e sonhamos juntos,

só não sei quem sonhou mais.

Não digo que ele não fosse ambicioso,

só dava para perceber que ele nunca quis muito,

a não ser, ser o que ele era,

calmo como o rio sob a ponte,

se bem me lembro, Florentino Avidos

e sempre foi mais ouvidos do que fala.

Quem cala consente,

mas não era bem esse o caso,

porque nunca tratou nada e nem ninguém

com descaso

e estava sempre pronto para ouvir,

muito mais do que falar.

Tentei mandar a saudade se calar,

mas aí me lembrei dos filhos que ele deixou,

forçados a viver sem sua presença

e crescerem ainda na infância,

tornando-se, ambos, belos homens,

mas que sejam belos e bons,

assim como ele foi.

Mas ele se foi. Ou não foi?

Todos nós vamos. Ou não vamos?

E para onde iremos, quando formos?

Para adonde?

Vamos de trem ou de bonde.

Ele também teve que amadurecer cedo,

Marcelo,

porque assim a responsabilidade exigia

e por pura ironia,

a vida -e quem diria, Rafael,

fez o mesmo com vocês, meus sobrinhos,

mas isso não foi porque ele quis.

O meu irmão, no seu canto,

com sua cachacinha e o seu violão,

do qual não saía muita coisa,

só pedia, todos os dias,

que todo mundo fosse feliz.

Inclusive vocês!

rodriguescapixaba
Enviado por rodriguescapixaba em 27/02/2018
Código do texto: T6265679
Classificação de conteúdo: seguro