GESTO OBSCENO

Colho a alma coberta de leite

da rosa ecoante da Via-Láctea,

e as ninfas rebolando quando o sonho é memória

espalham centelhas do encantamento

dos cem milhões de auroras que encerram a noite

quando a caveira dos amores mergulha no abismo

e tudo o que resta é carvão

Palavras são rasgos no céu,

não há remédio se a claridade é pálida

e o cavalo traz o sonâmbulo

como a fatalidade sentida na pele

é um escorpião-espiritual

Arrombados portões da consciência

fica no lixo o sentimento confuso

e a garganta cortada no beco das ilusões impuras,

aonde palhaço é o assassino serial

e a chuva lava o cinismo

levando pelo bueiro o sorriso extorsivo,

na hora elementar deixados os fantasmas de lado

pela convocatória do galo à racionalidade da madrugada,

lembrado o número como o apelo do sistema

ao orgulho produtivo do desambicioso,

e que não é o caso porque a minha responsabilidade

é com a apaixonada desrazão de viver,

quando apenas planos e palanques amontoam ruínas

o partir é um para sempre e por outrora,

e os navios mantém secretos os olhos

que monstruosamente doces

afrontam costumes objetivando

o que o direito procura juntar:

a rebeldia visionária do gesto obsceno e a praticidade da mutação

- seres que enfim significam sensatez