O QUINTO DOS QUINTAIS

Acordei cedo: Sempre tarde!

De súbito, me voltei para mim

E urgenciei existir.

Pedi desculpas antes de tentar.

E logo me escondi, antes que me vissem.

Neguei minha data de nascimento

E prontamente

Cedi meu lugar na fila.

Cedi outra vez e mais outras vezes.

Quantas fossem cobradas!

Hipotequei minhas vezes, quantas vezes!

Paguei a fatura que chegou.

Paguei tantas outras antes de gerar novos débitos

Para cobrir vergonhas que não eram minhas...

Dei risadas e mais risadas de mim

Contribuinte compulsório do meu caos

Chorando só por dentro para não sofrer Bullying.

Tatuei minha pele

Com todos os direitos sonhados...

Imagens estranhas, irreconhecíveis

Sempre os da moda!

Mesmo assim,

Vi que muitos me estranharam.

Arrisquei a tatuagem dos "prometidos e furtados":

Ninguém sequer sabia quais eram!

Até me aliviei.

Engoli um copo de melanina

Para não continuar tão transparente.

Não deu certo,

Então,

Engoli mais um para ninguém dizer que não tentei.

Rasguei meu diploma de lógica

Bati palmas para todos os absurdos!

Esqueci minha língua mãe, vilipendiei a gramática

E sequer chorei pela Pátria traída nos bastidores.

Aplaudi, aplaudi, aplaudi...com ênfase!

Sabia que precisaria ser politicamente afável

Mesmo que fosse para se continuar morto.

Aceitei todas a migalhas travestidas de ouro em pó...

As advindas dos céus fictícios

-Penso se tratar daquele “ouro aos tolos”-

E agradeci pelo tudo que não me fazia falta.

Ops, desculpas!- eu não penso mais!

Rasguei o pensamento

Antes que –por descuido!-alguém o entendesse...

E o enforcasse!

Dancei todas as “street dances” dos tempos

Sem nunca perder o ritmo...

Adoro dançar em todos os genêros!

Amei em silêncio para não gerar polêmicas.

Afinal, sou “hetero” de tudo, algo diferente, inaceitável

Out fashion!

Mas ninguém nunca soube desse meu pecado.

Também, nunca contei a ninguém que aprendi Bach,

Que ouvi Beethoven e Debussy...

Que fotografei com o coração

As quatro estações de Vivaldi, imaginem!

Quem me perdoaria?

Seria a forca sem direito ao contraditório!

Quando a sinfonia soou, eu fechei a janela correndo

Para não despertar sustos...e pedras.

Também sustentei toda a ociosidade diplomada

E amputei a dignidade

Só para entrar na lista

De se merecer a bondosa misericórdia dos púlpitos.

Segui cambaleante com todas as cordas no pescoço

E jamais me desculpei

Por sobreviver aos esquartejamentos dos sentidos:

Uffa ! ninguém me percebeu no nada.

No final, com muito cuidado, abri a janela

E agradeci ao deuses por estar morta

Sem gerar grandes e novos sobressaltos

Na opinião pública.

“Morri cedo, tarde demais, sem nunca ter nascido”.

Foi assim...

Meio "auto-inconfidente" de mim

Que ousei poetar mais um epitáfio

Enforcado no silêncio do mundo

Dependurado lá no quintal da vida...

Poema despido de rimas,

Sangrante, invisível e esquartejado

Nos tantos quintais alheios

Dos tempos de igual História.