Criança a correr

Era uma tarde de inverno

Chovia torrencial

Sentado estava eu a lembrar

Da infância os folguedos vivendo.

A vagar pelos anos a pensar

Anos que já se foram

Mas que o lembrar fotográfico

Os trazem logo a mostrar.

Tudo então revivendo

Como se visse o passado

Bem ali na minha frente

Cada passo a lembrar.

Que corram as crianças

Logo eu estava na frente

A correr na relva molhada

Pés descalços a saltar.

Estava na terra natal

No chão eu ia correndo

Corria sempre ligeiro

Em todo aquele terreiro.

Só andava a correr

De brincar não parava

A pular poça d’água

Atrás de borboleta a voar.

Corria para subir numa pedra

Para apanhar uma fruta caída

A percorrer a vereda

Que leva ao portão de entrar.

Corria para pegar as libélulas

De asas abertas

Com cores diversas

Nas pontas das varas a pousar.

Eu saia rápido a correr

Da ponte velha a saltar

Pra mergulhar no rio a descer

E o peixe nele tocar.

Estava sempre a correr

Para ver as formigas com asas

Em sobrevôo a se perder

E a chuva a antever.

Montado no animal sem sela

A cavalgar sem limite

Na crina sempre agarrado

Com o corpo todo abaixado.

Corria por correr

Por força da idade

Corria pela vida

Corria para me destacar.

Estava a correr

Os pés a doer

Para antes chegar

Pra não me atrasar.

Corria a pé

Corria pro meu lugar

Antes que outro sentasse

Eu logo estava a ocupar.

Eu era um menino a brincar

E isso não ficou pra trás

Pois a fantasia de cada adulto

É ser uma criança audaz.

Que todas as crianças

Corram a conquistar

Os seus mais sadios espaços

Enquanto moleque por lá.

Estava sempre a correr

A correr atrás do palhaço

Que gritava o “ palhaço quem é ”

Pro espetáculo anunciar.

Vivia a saltar e pular

Corria de novo

A chamar o cachorro

Pra me acompanhar.

Corria a gritar

Corria sem medo

Fazia enredo

Do saci a saltar.

Que tempo bom não era

Saltava a macaca

Com uma só perna

Pro céu alcançar.

Também a correr

De braços abertos

Em zig-zag a girar

Assim sempre a voltar.

Corria romã-romã

Pra tudo fazer

E logo chegar

Sem me machucar.

Corria atrás do fê-nê-mê

Pra bochecha pegar

O perigo a correr

E minha mãe a gritar.

Corria sozinho

Corria cansado

Pra tudo fazer

Em nada pensar.

Corria apressado

Pra ser o primeiro

Sem nada perder

E ser mais ousado.

Ficava com gosto a correr

Fitava, corria e saltava

Nos braços da mãe amada

Que continuo a adorar.

Procurava sempre chegar

Na frente de todos

Sem muito correr

Pra roupa pouco sujar.

Corria com tudo

Corria pra nada

Corria de banda

Corria pro lado.

Assim eu ia correndo

Mamãe eu chamando

Fazendo exercício

Pra energia queimar.

Pra não me molhar

Corria montado

Ficava abaixado

Das árvores a desviar.

Menino traquino

Criança feliz

Mãe a olhar

Seu filho a brincar.

Ficava a mãe a raiar

Pra não machucar

Aquilo me dá

Saudades de lá.

Corria após a escola

Pra logo chegar

Minha mãe abraçar

E também almoçar.

Mamãe eu garanto

Corri muitas léguas

Mas nunca em prantos

Sem ordens cumprir.

Corria com alegria

Que a idade nos dá

Pra liberar energia

Que a tenra idade pedia.

Se fico a lembrar

Medo me dá

Das brincadeiras

A me ariscar.

Criança a correr

Adulto a pensar

Correr era bom

Hoje só caminhar.

Depois da chuva da tarde

Com as carreiras a sonhar

Logo me fez acordar

Fatos memoráveis a pulsar.

O que é bom dura pouco

Já deixei de lembrar

Retornei ao presente real

Com saudade de lá.

Logo voltei a ser adulto

Mas fiquei a pensar

Da minha infância lembrar

E querendo nela brincar.

Correr já não posso

Mas não quero parar

Prefiro no bosque deambular

Pra minha vida alongar.