De que tempo somos?
Como pode alguém aprender a ser só?
“Aprendi e agora quero voltar o filme da minha história e desaprender o caminho de mão única de um amor solitário.”
Sou de um tempo em que se aprendeu amar as máquinas.
Sou de um tempo em que se aprendeu a carinhar o piso de shoppings com tralhas caras calçando pés sem graça.
Sou de um tempo em que as flores são caras, não estão mais nos jardins das casas e os botões não mais selam acordos fraternos.
Sou de um tempo em que a beleza se compra numa boutique ou vem lacrada num pote de creme navegando pelo mar em navios de bandeira estrangeira.
Sou de um tempo em que os olhares vêem as marcas e as formas. Se esqueceram de como deixar sutilezas ou de admirar o conteúdo.
Sou de um tempo em que a liberdade pela qual tanto lutamos serve para nos fazer estar com todos ou todas ao mesmo tempo. Sem estar com ninguém em tempo algum perdendo-se de si mesmo.
Sou de um tempo em se contam moedas e detalhes de mau gosto.
Sou de um tempo de trânsito constante. Não há mais carruagens para te levar à praça num passeio de fim de tarde. Lá as paisagens sentem nossa ausência.
Sou de um tempo de roupas caras e bijuterias sem cor. Elas despencando em ausência de brilho pelo pescoço das meninas.
Sou de um tempo de mãos que não se deixam dar para um passeio sem hora para acabar.
Sou de um tempo de intolerância. As regras religiosas matam!
Sou de um tempo de arrogância. As regras dos Capital escravizam!
Sou de um tempo de farturas imbecis e o nada insiste pela boca daqueles que não sabem amar.
Sou de um tempo de dores espinhosas. Não sabemos mais onde estão as pétalas da rosa despedaçada em nome da paixão.
Sou de um tempo de viagens curtas, de transas rápidas.
Sou de um tempo onde o tesão é precoce e o romantismo geriátrico.
Sou de um tempo em que os olhos não se fecham com a suavidade do fim de tarde. De certo, medo de sonhar.
Sou de um tempo em que felicidade se renova na frota de novos carros caros.
Sou de um tempo em que corpos acadêmicos roubam lugar daquela simples virtude de se juntar.
Sou de um tempo de mulheres portando grandes bolsas e nelas, além de batons, poucas e pequenas esperanças.
Sou de um tempo que a lingerie mais cara não seduz, apenas nos oferece item fugaz em bomboniere cara.
Sou de um tempo em que perguntamos: Como pode alguém aprender a ser só?