memória de outro dia

Teus sapatos, apenas eles, na profusão da presença,

O nada que lhe rodeia diz tanto de ti, quanto tua lembrança.

Viva, a tamanho pequeno, afastados um do outro, como teus

Pés pisavam, o tamanho me leva a teus pés, pequenas estacas

A segurar uma vida inteira, a cor, o teu semblante de olhos

Límpido e plácido, uma bela piscina pequena e castanha, rodeada

De veios de sangue a alumiar o branco evanescido, pequenas

Flores em teu sapato, parecem antigos, ainda que outro dia

Em teus pés rodeavam a vida e nos davam dela, como se ela fosse

Fácil, ainda que difícil, e as histórias que saíam de tua boca

Nos povoavam de esperança, a mesa, a garrafa de café, o

Bordado na toalha, a cozinha com seus cheiros de muito longe

E tão presente, como se diversas gerações, imemoriais, habitassem

O mesmo assoalho, a porta aberta, o dia entrando, pela porta

Do quintal, e teu gesto dizendo, "venha, a mesa está pronta", quem

Não estava pronto era eu, que já me afogava, pois já sabia

Que nada dura, e amar as coisas era esperar sua morte, e o

Medo era meu manto, mesmo que degustasse cada instante,

E eles, não fossem triviais, mas já amarrados com o cordão que

Vinha do passado mais longínquo e meu coração bate agora

Em lugar vazio, mas povoado de presença, e a vida desmaia

Em minha frente e eu assisto, e eu assisto.