A vida, essa amante, me abraça e me consome

O tempo flui, insolente, por onde

Tua ausência se torna presença, um ventre aberto

Deixado à terra, que mesmo saturado,

Segue vazando, em segredo, promessas não germinadas

Do teu ser, mas sim das alturas que transformam

O vazio em um silêncio divino,

Ali, onde o ser se desfaz e se refaz,

Onde a desvirginação se dá não pelo corte, mas pelo toque,

Uma lâmina de luz e febre, deslizando

Entre o coração e a pele, iluminando

As veias secretas, mergulhando no núcleo puro

Que nos fala da vida em sua forma mais terna,

Nos invade como amantes, extensão do leito fértil

Um seio, cujo leite nos alimenta com sua profundidade,

Entramos, rejuvenescidos, na senda do prazer mais rebelde,

E tua sombra degusta o êxtase, o limite,

Tua proeza mais extravagante,

E tu saltas continentes, cavernas sombrias, o desejo profundo,

O medo não te toca, essa linha de desespero

Que, diante do desconhecido, se dissolve,

Se não lhe damos a visão que penetra

No invisível de teu ser, fechaste teus olhos,

Não aqueles da postura, mas os da essência,

E deste asas àquilo que desvela

A escuridão e o mistério, sem resistir, perfurando e deslumbrando

A vertigem mais doce, onde o espanto

Transforma o medo e faz do alto seu refúgio,

Amada, vestida da matéria oculta que acende

O divino na pedra mais ordinária, e teu coração,

Ardente, mergulhou no sol como se a terra

Não tivesse superfície, revelando, pouco a pouco,

Uma textura escura e imprevisível,

Esculpida além da substância que se torna signo.

Ou comovida, pelas águas que os símbolos bebem ou dizem,

Mesmo que por sua silhueta ou pela pele do espaço,

Antes, sequer remove a tensão que ao menos teu nome traria,

A coluna que suporta os braços ou a geometria inscrita na existência,

Talvez, como sugestão, o nome do pai ou o lastro de uma tribo eterna,

Lançada na dimensão do tempo. Então, com o paladar agitado pelo néctar

Mais doce, furaste o céu, deixaste que a travessura da sombra

Invadisse o limiar do divino, e ela, amante vertiginosa das trevas,

Às vezes consumida por elas, ambicionou, ela mesma, a imensidão,

Perguntando-se: por que me contentar com o baixo se posso ascender ao céu,

Transformar-me e desenhar-me como aurora? Ela não pensou em ti,

Embora te amasse como o contraponto de tua jornada,

Admirando-te como a porta para o cosmos,

Que na tua carne desejante se infiltrou, e tua carne,

Desprovida de tua astúcia, confundiu-se com ela, como se a beleza

Pudesse ser roubada, e não apenas ser bela em sua plenitude.

Assim pensaste, para tornar o peso suportável, e agora,

Aninhado no canto de tua sala, em soberba, ainda que desejoso,

Podes olhar no espelho do teu espírito e reconhecer que tudo isso é tu,

Essa montanha que sonhaste, essa sombra que pensaste enganar,

Esse fígado que o tempo, sob o domínio de Saturno, belisca,

Toda essa sede e também essa água, esse medo e essa coragem,

Essa ausência que te impulsionou à aventura mais louca,

Essa vontade de morrer e essa vida que te sustenta,

Tudo isso é tu, entrelaçado nas vísceras do eterno, pois este,

Também é teu dom, tua graça, que se consome com tua fome,

Mas que na tua noite se regenera,

É a vida em seu estado de graça e em sua eterna queda,

Pois é caindo que se sobe e subindo que se desce,

É tudo e é nada, e, embora seja poeta, é poeira tudo que

Já se disse dela, é enigma e mistério, água e deserto,

A dança inequívoca dos contrários, um equilíbrio precário que se celebra,

Mas também é coisa simples, a formiga persistente, o orvalho eloquente,

O passo lento do cansado e a explosão da juventude, ora perdida,

É temporal, cercada por Saturno, mas eterna, quando capturada ela escapa,

Quando imensa, limitada, forte e segura, olhando de novo, desamparada,

É amante dilacerante e, outras vezes, indiferente, tão infinita quanto breve,

Pesada e sempre leve, é a vida, tu, todos,

Aqui e lá, no alto e no fundo, acolá, os extremos, os meios, e o intermediário, ela é.

Não sendo e sendo, já não é, e fora é dentro, é alegria e sofrimento,

É amorosa e terrível, ela me cuida e me devora, e quando falo dela,

Estou errado, a menos que esteja de fora,

Porque sendo também ela, o que falo, já se evapora.