A ferida mais quente

Então, falamos dos encontros,

como flechas lançadas com decisão

em direção ao alvo; por um instante,

o arqueiro e o destino se fundem,

o disparo rompe a espera

e o entendimento sepulta o interregno.

As horas, ásperas, desenrolam-se,

e a carne, trêmula,

sangue e essência,

imersa no licor destilado no coração

do mundo; cada ente com seu núcleo,

por isso nos lançamos

aos encontros,

tocamos as feridas urgentes

para descobrir que o outro também sangra.

E ao pensar em uma mulher,

traçamos em mente

o espaço que ela ocupa no universo;

pertence-me? Interrogo,

mas a resposta escapa,

a não ser que um reino mais apaixonado

assim o decrete.

Porém, vivemos na incerteza,

pois as escadas que ela ascendeu

ainda a seguem,

com sangue nos lábios,

resultado da mordida na dúvida

daqueles que a oprimiam.

Mal teve tempo de se recompor,

e já a obstinação voluptuosa

a impelia para outra clareira

onde pudesse semear sua fome;

e então, a terra se partiu,

revelando, em um corte profundo,

a pedra grávida

pronta para desvelar ao mundo

sua nova criação.

No ventre escuro da terra,

ela depositou seu desejo de também

fazer parte de outros ventres,

de compreender que o homem

também carrega seu ventre,

onde um filho anuncia

seus primeiros clamores de luz.

Sim, antes mesmo de nascer,

ele já sabe que sua missão

é acender as candeias,

atravessar terras inóspitas

em busca da oliveira perfeita

para, então, aguardar

que o azeite se entregue

àqueles nascidos

para iluminar os recantos mais escuros.

Sabendo disso,

nos entregamos a inúmeros encontros,

falemos disso,

mas também das imprudências,

como a de ignorar

que sob nossos pés,

em câmaras sinuosas e atemporais,

há quem cave a terra

em busca do diamante perdido,

sem perceber que o verdadeiro diamante

é a luz vibrante

que nosso ser emite

na incessante busca.

Tantas tramas, tantos dramas,

e ela optou por não compartilhar comigo

essa pequena certeza,

por não mostrar a esses olhos atentos

a doçura que seu ser me desvenda –

clausura e o desejo de um beijo,

uma língua à espera

do gesto mais belo e temerário:

tocar no tecido do meu desejo

com sua ferida mais quente.