Diante da coisa que se ama

O desejo, que não penetra na estrada,

submerge na obscuridade da terra, e sua

sinfonia se dispersa nos grãos do barro que

o destituem de seu palco; a paixão não se cala

diante de sua impaciência, de sua boca voraz,

na escuridão, enfurece-se e acende o sabor que

a fruta promete, o suco que escorrega sob as

camadas mais breves e se expande em outros

cômodos onde já não podemos descer. E ela, essa

mulher que acende uma vida inteira, incorpora

o silêncio em uma brasa insolente e efêmera,

continua em sua jangada suspensa por um cordão

de pensamento que a retira do afogamento e sofre

de outro jeito, a maneira de saber doar ao voo mais sublime

a asa que ele reclama, de esconder o seu perfume

na epiderme da distância, então, nos resta a sacralidade

da imaginação. Eu não a salvo, mas a contemplo na

sua mansidão diante do maremoto, e se eu me afogar,

não saberei depois do símbolo que nos apaga,

e ela não mais calcula; o coração já diz a seiva que buscamos,

já bate conforme o relógio do cosmo que tem seu pêndulo

em nossas vontades. Eu, do escuro mais sepulto,

breve de luz mas rico de solidão, trago à memória

seus olhos salpicados de sal noturno, e ela, como

os olhos de uma estrela, me vê, me estende a mão,

e me diz: esse escuro é seu, e esta luz precisa

dele. Então, estamos no mesmo sentido, o sentido

que tem o rio quando segue para o mar, o sentido

que tem a noite quando a luz beija sua face mais profana,

o sentido que tem o coração que bate para o outro

como palma para o astro mais brilhante e nos estala

diante da coisa que se ama.