superfície desvelada

O tempo desliza sobre a pedra,

Deixa sua cicatriz, rastro partido

Na superfície desvelada, indiferente,

Translúcido, flui à medida que

Um abismo me chama. No centro,

Relva em chamas rompe a fina película

Que do vazio emerge, gestando poemas,

Uma jovem nos desvenda ao abrir

Braços como trigais ondulantes.

Seu riacho, doce fascínio, é

Murmúrio de aromas, suas pernas

Atormentam e a linguagem nos foge,

A carne treme à beira

De fogueira liberta na praça,

Um rio que outrora era sereno,

Torna-se furioso, veloz como pintura,

Margens se afastam, estrada de água

Desliza sobre terra virgem,

Jardim, vertigem, flores são

Perfumes que perduram, voo de corvos

Amarelos, sei bem, não há chão definitivo,

Tudo desaba, como nossos corpos

Sob azáleas iluminadas, relógios

Já nascem acelerados, tempo acumulado,

Caminhos incertos nos comovem,

Retalhos costuram-se, solo se inventa,

Assentamos, amamos, possuímos casa, toalha

Bordada, aroma de vida cosida.