A seita das traças

A seita das traças

Quando me lembro que posso entrar em um antiquário,

Lembro dos tantos que entrei,

Dos outros quantos que desejei.

Lembro da porta, da janela e do armário:

Vejo centenas, milhares de peças perdidas no horário...

Tacho enferrujado,

Retrato desbotado;

Sinto a coceira da poeira,

Fungo a coriza da sujeira:

Culpo sempre o cheiro do meu obituário!

Encontro o (c)sebo do local, os livros...

Me matam e me fecundam:

A Poeira estéril irrita meus vasículos,

Corrói as membranas da mucosa,

E necrosa as memórias do passado...

Meus pés, cansados, percorrem...

O velho sentado ao léu me espia,

Um gato ainda mais velho aos poucos morre,

E a empolgação que me habitava, logo sumia:

Era o metal sádico que outra vez me refletia!

Lembro de ouvir um ruído,

Me aproximo,

É no cantinho apertado e pouco iluminado...

São gemidos...

—Lerá também esse? Lembra deste? Provou daquele?

Eu,

tão (des)afortunado,

encontrei a seita dos necrófagos dos livros!

Disfarçadamente agarrei um retrato qualquer,

Ah... sim... elas se curtiam,

Se vangloriavam,

E a cada três dentadas gritavam:

Memórias, mais dentadas nunca é demais!

—Traz o vinho, Lirinha, acabou a página!

Anda logo, em breve, temos o ritual.

Amontoam-se aos montes nas lombadas,

E se esgueirando pelos fios no fim eclodem:

—É a hora do Sacro Ritual: Comeremos mais um que-por-ninguém-será-lido final!