Letra C de Forca

Ainda guardo comigo o doce sorriso que me abriste quando me deste quando garoto aquele modesto presente num passado remoto: um carrinho de controle remoto embrulhado com carinho num papel-presente barato.

Àquela época eu não sabia o que era trabalho, cerveja Nossa de cada dia, pra ficar calmo, baralho, mais-valia, salário, miséria, mísero salário mínimo; não entendia o valor do dinheiro, muito menos a dor das dívidas, das dúvidas, frustração, desemprego; não, não havia melancolia, crise existencial; prego na sandália mal havia; o que não havia mesmo era insônia, solidão, desespero, ansiedade, tristeza fora do normal... e tantos pregos nos bares por aí afora - fora a queda do Real.

Na verdade, o que mais me valia - e eu não entendia - era a felicidade dentro do peito quando a tarde caía e trazia meu pai, com seus calos de pedreiro nas mãos, aparecendo como um anjo pintado a cal na frente de casa, alquebrado dos sacos de cimento nas costas, dos traços de massa, com o suor e o cansaço no rosto, a pele queimada do sol, segurando uma sacola de loja: era o seu jeito rústico e sem lógica de demonstrar pra mim o amor de pai, que talvez jamais tivesse recebido - não em forma de verso, beijo, nem de abraço, nem de cheiro - mas num gesto poético, sincero, singelo, bonito... de presente.

O brinquedo não existe mais, infelizmente foi substituído por garrafas de álcool, gatilhos, maços de cigarro, antidepressivos, calmantes, crises de ansiedade, enchentes de saudade e ausências... que de tão presentes, penso na forca todo dia - não a brincadeira de papel e caneta da infância; mas no jogo infame de corda, pescoço e cadeira:

S _ _ _ _ _ O