ICH, DER ANDERE
(Eu, o outro)

 
O deus que de mim concebo é magnânimo.
Não, o outro está fora de questão –
Ele ainda tem imensos e infindáveis
Compromissos com a criação de tudo.
Há um outro, divirta-se, outro –

Mais afim com o meu humano –

E eu quero a quintessência desse outro.
 
Você somente terá chances
De algum acesso ao Paraíso
Se dispuser de um séquito,
De um Panteão, de heróis
A rasgar e a revolucionar
O ventre solene do amanhã;
 
Heróis forjados e tarjados
Nos mistérios do perdão.
Heróis que foram e que serão;
Heróis, digo, sobreviventes ao Juízo Final!
Experimente, meramente experimente –
E por instância – não perdoar…
 
Nada, não! Ele somente queria
Ser importante para alguém importante;
Ser merecedor de alguma atenção;
Ser protagonista ao menos uma vez na vida;
Ser a purpurina etérea e revolta,
A vítima agonizante e combalida,
Na nota policialesca e sem graça
Das charmosas redes sociais:
Pôde tanto – nem menos e nem mais!
 
Ele era ingênuo em sua larva de singelo:
Decorrente e reducionista demais.
Um afeto aqui, uma gentileza ali,
E eis um novo deus. Homúnculo vil!
Não, a magnitude não faz concessões.
Não se concebem heróis no clangor da manhã,
Pois esses serão pesados apenas após a lida.
 
Amor e ódio, eis a nossa essência;
Medo e culpa, eis a nossa inerência.
E o que você propõe, meu grande amigo?
Perdão, com tempero fraterno?
Ou redenção, com delineamento divino?
Em voo, todos os abutres são bastante iguais.
Todos os lobos se travestem de cão donzel.
 
Empreste-me a sua culpa e fique com o medo;
Não, empreste-me o medo e fique com a culpa.
Na alvorada, uma mãozinha de criança
Se apresenta piedosa e afasta os anelos vãos,
Os anéis dos cabelos, os sonhos sucumbidos.
Ele somente queria ser importante a alguém...
 
Você nunca ousou o perdão, pois salto!
Nunca supôs que perdoar não é esquecer,
Mas lembrar-se da outra porta –
É o pacto com o que restará, afinal.
Assim, nem eu, nem você, nem seu rancor,
Integraremos a paisagem do Novo Éden.
 
Sim, você! Você não pode tanto,
Pois perdão é mote, é fundamento,
É instigância e é laivo de compaixão.
Ninguém pode tanto e assim,
Entretanto e nessa mesma exatidão –
Oh, candura, candura, candura!
Eu o queria bem mais consequente,
Pretensioso, útil – o tal magnânimo.
 
Que meu amor esse meu pecado!
Uia, que pecado esse meu amor.
Que meu amor esse meu amor.
 
Tirem-me de minha presença, já!
Toda extravagância será bem-aventurada;
Toda solidão que some será redentora.
Eu não posso tolerar a sombra da sombra,
A sombra da antítese, do contraponto,
Do destino que se cumpriu sem desígnio,
Do cristão lançado na arena dos críticos.
 
A mãozinha infante insiste e caracoleia.
A redenção veste os seus trajes de perdão;
Também insiste e recapitula o seu ponto
Para a cena apoteótica do Grande Juízo.
Há um lobo faltando na assistência;
Não por acaso, um cão passa ao largo,
Cabisbaixo, de soslaio e farejante.
 
Há nas sórdidas e fricativas manhãs
Desse meu eterno conceber
Um perene nonsense, ó glória,
Que desafia o dever e o inefável devir.
Há nas urdidas – refrigério! – manhãs
Desse meu eterno cogitar
Um passional bom senso que me permite
Estar “urbi et orbi” nos anseios do convir.
 
Fiz de mim um vórtice e me alastrei.
Fiz de mim uma noite e me desfrutei.
Fiz de mim uma canção sem dança
Ou uma dança sem canção e ousei.
Tente, meu irmão, eu o desafio,
Tente perdoar a um outro deus.


N.B.: Este poema se faz nas três pessoas do singular: eu, tu=você e ele. Em poucas passagens, nós e vocês.