um quarto amarelo, uma estante e meu monólogo silencioso
eu nunca olhei pra estante de minha casa
não de frente
e nem do jeito que estou olhando agora
esse quarto é amarelo...
a luz reflete na parede meio bege
e fica amarelo
eu estou sentada no chão
numa almofada xadrez e velha
recebendo o vento que gela a lágrima
escorrida no meu rosto
ela caiu exatamente
quando eu percebi a estante
agora as irmãs-lágrima vieram
e minha visão está ficando turva
sinto o rastro feito por elas
delineando meu rosto
e cortando a maquiagem
que acabei de passar
estou mais sozinha do que nunca
sempre desejei a morte,
mas hoje quero mais
do que das outras vezes
minha amiga deve estar me esperando,
mas eu não controlo meu pensamento
tampouco minhas mãos frenéticas
pedindo pra escrever
ele disse que quer frear as coisas
ele me entende e foi maduro
mas pela primeira vez
eu desejei que não entendesse
meu pai me quer com ele
eu sua casa
não gosto dela
eu tenho medo do cachorro
ele diz que a namorada também vai
ele arruma namoradas-pretexto
pra mim
eu nunca me senti tão abandonada
em minha terra natal
minha mãe foi embora
meu pai enlouqueceu
só resta eu
com a minha tristeza
e meu lápis viajante
meus amigos estão todos sumidos ...
e eu acabei de ter
meu momento interrompido
era vó batendo no portão
ela vai assar umas coisas, eu acho
e disse que vai molhar as plantas
está molhando agora
enquanto reclama de vô
talvez essa interrupção
tenha me salvado
pelo menos por um instante