Eles são prepotentes

Na roda de amigos, ele abre a boca para dizer o que é melhor pra mim.

Na minha casa, ele abre a boca pra dizer o que é melhor pra mim.

No palco, ele abre a boca para dizer o que é melhor pra mim,

mesmo que eu não esteja a escutar,

ou que nenhuma outra esteja ali também.

Ele abre a boca para falar o que é melhor pra mim, e pra ela, e pra nós.

Sem consultar nenhuma de nós, ele... eles presumem saber o que é melhor pra mim.

E abrem a boca. E não fecham a boca.

E vociferam e bravejam por aí que eu não posso fazer nada com o meu corpo.

Como se o corpo não fosse meu.

Que eu não posso ir no boteco, porque é lugar deles.

Que eu tenho que me depilar, porque não se depilar é coisa deles.

Que eu tenho que fechar as pernas, porque deixar as pernas abertas só é permitido a eles.

Que eu não posso flertar, porque flertar é sinônimo de facilidade, e ser fácil também é coisa deles.

Eles querem falar por nós, eles querem decidir por nós.

Eles querem que sejamos sempre caladas e quietas.

Porque eles sabem, e nós devemos saber que eles sabem, o que é melhor pra nós.

Eles dizem que se abortarmos NUNCA, JAMAIS, coseguiremos viver, ou conviver, com o peso da culpa...

Muitas de nós já abrimos a boca para dizer que não é assim.

Que não é assim mesmo.

Que não é assim de jeito nenhum.

Que se isso pudesse ser uma escolha nossa, o "peso" dessa sensação seria muito menor do que o peso de trazer uma criança ao mundo e não poder lhe fornecer condições de vida.

E tentamos falar.

E tentamos argumentar.

E tentamos dizer o que é melhor pra gente.

Mas eles não ouviram.

E proibiram.

Também tentamos dizer que temos direitos...

Mas não temos, porque isso também só foi dado a eles.

Nina Cerqueira
Enviado por Nina Cerqueira em 21/10/2018
Código do texto: T6482405
Classificação de conteúdo: seguro