Eles são prepotentes
Na roda de amigos, ele abre a boca para dizer o que é melhor pra mim.
Na minha casa, ele abre a boca pra dizer o que é melhor pra mim.
No palco, ele abre a boca para dizer o que é melhor pra mim,
mesmo que eu não esteja a escutar,
ou que nenhuma outra esteja ali também.
Ele abre a boca para falar o que é melhor pra mim, e pra ela, e pra nós.
Sem consultar nenhuma de nós, ele... eles presumem saber o que é melhor pra mim.
E abrem a boca. E não fecham a boca.
E vociferam e bravejam por aí que eu não posso fazer nada com o meu corpo.
Como se o corpo não fosse meu.
Que eu não posso ir no boteco, porque é lugar deles.
Que eu tenho que me depilar, porque não se depilar é coisa deles.
Que eu tenho que fechar as pernas, porque deixar as pernas abertas só é permitido a eles.
Que eu não posso flertar, porque flertar é sinônimo de facilidade, e ser fácil também é coisa deles.
Eles querem falar por nós, eles querem decidir por nós.
Eles querem que sejamos sempre caladas e quietas.
Porque eles sabem, e nós devemos saber que eles sabem, o que é melhor pra nós.
Eles dizem que se abortarmos NUNCA, JAMAIS, coseguiremos viver, ou conviver, com o peso da culpa...
Muitas de nós já abrimos a boca para dizer que não é assim.
Que não é assim mesmo.
Que não é assim de jeito nenhum.
Que se isso pudesse ser uma escolha nossa, o "peso" dessa sensação seria muito menor do que o peso de trazer uma criança ao mundo e não poder lhe fornecer condições de vida.
E tentamos falar.
E tentamos argumentar.
E tentamos dizer o que é melhor pra gente.
Mas eles não ouviram.
E proibiram.
Também tentamos dizer que temos direitos...
Mas não temos, porque isso também só foi dado a eles.