EM VELOCIDADE DE CRUZEIRO

Eu ontem soprei por aí.

Ventei em brisa leve

Como aquela que passa sem ser vista...

E enganosa, iludi o tempo

A erodir devagarzinho os caminhos das pedras

Como um carinho premente de vida.

Sei que me percebeu

Na inspiração das poesias

Que sobrevoavam nas asas das borboletas.

Os olfatos da vida

Buscam sempre os mesmos odores.

Não soprei cores para não ofuscar

O horizonte indo.

Soprei o tempo

Inerte sobre seus ouvidos

Entrei em cada fresta da sua pele de dantes

Trêmula e suada,

Reconheci digitais,

Exalei o perfume de todas as flores

Que já não existem.

Enxuguei o suor dos cansaços

Que insistem em continuar.

De todos eles!

Num voo rasante

Sempre em velocidade de cruzeiro,

E antes que se apagassem

Todas as rotas previstas

e obrigatórias,

-mesmo as dos voos sem teto-

Soprei todo o tempo de mim

E então

Lhe devolvi um tomo do meu ar rarefeito

Para que pudessemos oxigenar

Os dias asfixiados

Na paz de termos existido.

Eu ontem soprei por aí...

Tão fortemente

Que já nem sei se ainda sou voo

Ou apenas espectro

Duma brisa que suavemente

Já passou.

Foi quando entendi

Que só existo

Quando voo sou

Na velocidade da poesia que sempre fica.