Eu só queria seguir

Eu só queria seguir

E poder respirar

Mas no sucumbir de um luar,

Caí num poço sem fundo

Agora querem me objetificar

Para que eu caiba no mundo

Disseram-me

Tens que socializar

Tens que te adaptar

Tens que acostumar

Tens que te enquadrar

Fui parido para ser objeto

Para desejar objetos

E servir aos objetos

Nasci cercado de dejetos

Construído por dejetos

Para acabar em dejeto

Aqui, o futuro é incerto

O presente, ferida aberta

Sem esperança por perto

Aqui humanizam objetos

E objetificam humanos

Fui criado para o consumo

E para o desmedido prazer

Agora me sinto sem rumo

Sem meu direito de ser

Posso querer

Tenho que querer

Tenho que fazer quererem

Tenho que fazer quererem muito mais

Posso gastar

Tenho que gastar

Tenho que fazer gastarem

Tenho que fazer gastarem muito mais

Tenho que socializar

Contruir o meu lar

Depois mostrar

Que venci

Tenho que escutar

Tenho que ouvir

E me esforçar

Para servir

Tenho que provar

Que sei desejar

E que meu lugar

É aqui

Fugi pra varanda

Corri pro quarto de dormir

Me escondi atrás da porta

Mas a propaganda

Quer me seduzir

Se eu me libertar, ela volta

Querem potencializar

Meus desejos

Querem que eu flerte

Com a perversão

Tenho que ser

Objeto de desejo

E objeto desejante

Ser convite à sedução

Querer que eu me torne

Brinquedo, acessório

Uma alma disforme

Num mundo ilusório

Querem escolher

Querem decidir

Querem impor

Onde devo ir

Querem controlar

Querem oprimir

Devo aceitar

Não posso fingir

Devo socializar

Querem manipular

O que tenho e o que devo ter

O que espero, o que devo esperar

O que sonho, o que devo sonhar

O que quero, o que devo querer

O que desejo, o que devo desejar

O que devo e o que devo dever

O que não devo, o que eu não deveria dever se...

Ahhh, se...

Se eu pudesse apenas respirar

Bem longe desse exílio

E encontrar,

Na interação com a natureza,

Uma espécie de auxílio

Mas o futuro é fosco

E aqui, nesse poço

Não há ninguém por perto

Capaz de humanizar

O meu peito-objeto

Me querem mercadoria

Com o ilimitado cansaço

De desejar sempre mais

Mas eu só queria

Poder andar descanço

E sentir

Sentir minha paz