RESFÔLEGO DUM UIRAPURÚ (sinto vergonha...)

Sinto vergonha do meu solo destruído

Da lama que entremeia a voz da Constituição!

Da dor do vento que sopra desnorteado

Pelos veios oxidados da Pátria em degradação.

Sinto vergonha do destino proclamado...

Que dizia, inflamado, que nos haveria mão

Na direção dum futuro abençoado....

Contramão desse cenário de dor ora em eclosão.

Sinto vergonha do Chicão assoreado

Mesmo velho e cansado inda dádiva a inundar

A terra seca de leito cabonizado

No fogo das tantas matas que se pode incendiar!

Sinto vergonha da tragédia do Rio doce

Que amargou seu paladar qual em lava de vulcão

A só verter um bastidor tão lamacento!

Triste metáfora do mal vento que soprou sobre a Nação.

Sinto vergonha do discurso vagabundo

Que apenas acorrenta o sonho que já não há!

Da venda posta no olhar já moribundo

Sob o frio dos viadutos: quanta dor a se sanar...

Sinto vergonha das tantas prioridades

Esquecidas na vontade dos que sabem discursar...

Velhacos bolsos levaram de todo povo

O suor do seu sufoco só de impostos a pagar!

Sinto vergonha da gravata colorida

Elegante, seda fina, à bancadas enfeitar...

Pele esticada na selfie tão desalmada!

Cara falsa “botocada” para o povo enganar!

Sinto vergonha do doente agonizando

Dum país todo implorando o Direito de viver...

Minimamente como qualquer ser humano

Que na terra do desmando nasce pronto a já morrer.

Sinto vergonha da infância abandonada...

Da criança explorada sem Direito a crescer

Sinto vergonha da toga que foi manchada

Prontamente articulada a serviço do poder.

Sinto vergonha do mar de fisiologismo

Do cabide de empreguismo pendurado na Nação

Que resfolega a expirar seu otimismo

Morto em praia das marolas com a força de tufão!

Sinto vergonha da educação ceifada

Uma praga articulada pra poder doar o pão

A toda fome que seria engendrada

A se criar dificuldade pra vender a solução.

Sinto vergonha da beleza tão sofrida

Daquela Democracia que um dia acreditou

Representar a vontade genuína

Da Pátria desenvolvida que na História se sonhou.

Sinto vergonha dessa vida Severina

Que um Cabral gritou um dia...” terra a se prometer!”

Que, todavia, o Cabral lá da Poesia

Solidificou a sina: “Zés e Marias” a só morrer.

Sinto vergonha...e na Amazônia desmatada

Sou grito do Uirapuru que já não se pode ouvir!

Débil é meu canto pela nuvem de fumaça

Qual a voz que na desgraça cala todo seu porvir.

Sinto vergonha da rima que hoje emprego...

Versos rotos ao anverso do meu chão só a sofrer,

A Deus eu rogo o milagre ao Universo:

Que a poesia que eu verso a alguém possa enternecer.