Debaixo das horas

Debaixo das horas que restam ao meu avô, que a morte é sempre anunciada, está a terra onde se plantou a roça, a horta, o pasto e o mangueiral.

Debaixo da terra, onde se espalhou a raiz da família, estão José, Januário, Zé de Zié, Zezé e Dedé.

Debaixo dos nomes, sempre plurais os nomes e codinomes, seus olhos azuis refletem o manto de Aparecida.

Debaixo do azul, está a finitude nossa, Senhora do impossível, e debaixo de debaixo da finitude, lá onde jaz nossa arrogância, a eternidade espera.

Debaixo da espera, o instante respira o desejo de um último olhar, talvez para ler, no fundo sem fundo de sua retina, a resposta à indagação secreta do poema: E agora José?

Último poema para meu avô, escrito ao sol da meia noite. Pela manhã, no escuro do meio dia, sem cerimônia, sem retina, ele respondeu: Agora, sou imortal.