O Ifri de Kilimanjaro (ou o não-Magrebe)

Sou um autor africano,

de matriz africana,

de olhar africano,

subproduto do mundo.

O Canal de Suez passa rente

ao portão de minha casa,

e para angariar escravos

joga a poeira estelar

do grão-deserto

sobre a língua bérbere

de meus ancestrais.

Sou um autor africano,

de matriz africana,

de olhar africano,

subproduto do mundo.

Ser teu pigmeu

para com a África adentro

e aos pés do Kilimanjaro

(a neve branca não se desfaz

em estranho limbo);

aos pés do Kilimanjaro

ser teu pigmeu contrito.

Sou um autor africano,

de matriz africana,

de olhar africano,

subproduto do mundo.

A esnobe descontração

no salão paroquial

da Real Academia

Zoológica de Londres

a te exibir por meio de força

(entretenimento quase),

e a medição de teu crânio...

Sou um autor africano,

de matriz africana,

de olhar africano,

subproduto do mundo.

O Magrebe improvidenciando

o monge da Cartago silenciosa,

dos antigos versos de Hipácia,

ou da verve ascendente

dos bispos de Hipona,

renuncia-se de omitir

o homem primeiro.

Sou um autor africano,

de matriz africana,

de olhar africano,

subproduto do mundo.

O grão-vizir para meus rasgos

vai impertinente pelos sonhos

da montanha branca.

Mil azos pela fome sonora,

nas periferias de Cartago

vão bramindo.

Sou um autor africano,

de matriz africana.

E acaso os teus rasgos também.

Guilherme Furtado
Enviado por Guilherme Furtado em 08/08/2017
Código do texto: T6077252
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