Na garagem do inverno

Na garagem no inverno

à L.

Naquele dia por horas

Nós ouvimos o inverno em uma noite.

Os sentimentos - e suas invasões bárbaras

O vento modulava. Nossas vozes. A luz baixa

Para nossas sombras calculadas.

Não recordo a lua. Mas é claro

Que ela tinha um lado escuro.

A brisa. Nos deixamos influenciar

Demais, com receio de que as carregasse...

Elas. As palavras. Aquilo que não conseguíamos conter.

Fomos feitos de caça, das palavras.

– Toda frase é como um vaga-lume:

Só sabemos onde está se uma palavra brilha

Ao coração. O resto é esquecimento –

No fundo, só ouvimos o que queremos.

Então, o que não quisemos? Você disse:

“nem tudo deve ser dito”. Me perguntei por isso

Se guarda o melhor para o final

E muitas vezes para nunca?

Ainda nos escondíamos em arbustos, tateando

O terreno. Com os ouvidos.

Nosso diálogo era um jogo. Precário.

Mas pareceu que aquilo era como tocar

Algo bonito. Como a superfície de um lago

Que espelhasse uma realidade.

As verdades inocentes. Os silêncios.

O mistério resignado. O que guardamos nos manteve

Reféns. Perdi-me inúmeras vezes no interior

De mim e voltei, apenas para estar preso

Àquela minha versão dispersa.

Você bebia água demais naquela noite.

Tentava ser transparente

Ou pura?

Fazia frio.

Era o lado escuro que estava claro.

Cesar Augusto Carvalho
Enviado por Cesar Augusto Carvalho em 10/04/2017
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