Na garagem do inverno
Na garagem no inverno
à L.
Naquele dia por horas
Nós ouvimos o inverno em uma noite.
Os sentimentos - e suas invasões bárbaras
O vento modulava. Nossas vozes. A luz baixa
Para nossas sombras calculadas.
Não recordo a lua. Mas é claro
Que ela tinha um lado escuro.
A brisa. Nos deixamos influenciar
Demais, com receio de que as carregasse...
Elas. As palavras. Aquilo que não conseguíamos conter.
Fomos feitos de caça, das palavras.
– Toda frase é como um vaga-lume:
Só sabemos onde está se uma palavra brilha
Ao coração. O resto é esquecimento –
No fundo, só ouvimos o que queremos.
Então, o que não quisemos? Você disse:
“nem tudo deve ser dito”. Me perguntei por isso
Se guarda o melhor para o final
E muitas vezes para nunca?
Ainda nos escondíamos em arbustos, tateando
O terreno. Com os ouvidos.
Nosso diálogo era um jogo. Precário.
Mas pareceu que aquilo era como tocar
Algo bonito. Como a superfície de um lago
Que espelhasse uma realidade.
As verdades inocentes. Os silêncios.
O mistério resignado. O que guardamos nos manteve
Reféns. Perdi-me inúmeras vezes no interior
De mim e voltei, apenas para estar preso
Àquela minha versão dispersa.
Você bebia água demais naquela noite.
Tentava ser transparente
Ou pura?
Fazia frio.
Era o lado escuro que estava claro.