As vestes
Hoje encontrei com a morte
Suas vestes negras eram na verdade coloridas
Seus olhos vermelhos eram na verdade azuis
Seu andar lento era na verdade veloz
Hoje esqueci de olhar a caixa de correspondência
Esqueci de pentear o cabelo
Iniciei então o novo dia
Nuvens prateadas se aprontavam
Barcos a vela flutuavam no céu
Dirigi aos deuses meus pecados mais capitais que encontrei em minha memória
Foram tantos que anotei nas areias da praia
Hoje escolhi um livro para ler
Aquele tipo de livro que o fim dele jamais está na última página
Tomei um café no centro da cidade com uma amiga
Entrei numa praça e escolhi um banco descascado para me sentar
Hoje eu acordei terno
Cheio de filhos para criar
Sentei-me na mesa de trabalho resoluto
Cheio de trabalho a não fazer
Comemorei os nascimentos bebendo vinho
O violão acendeu a fogueira
A luz amarela dançava no pensar de minha retina
Encontrei a felicidade nos cabelos
Fui a um museu com saudade de estar na selva
Fui me banhar no mar ouvindo as cachoeiras internas
Hoje me dirigi a um velho como menino
Pedi a minha esposa um jantar repleto de legumes invisíveis
Lavei roupa no quintal com minhas cadelas
Plantei um canteiro de alface como artífice do universo
No galinheiro, recolhi as galinhas
Já eram seis horas da tarde quando decidi sorrir
Meus olhos sorriram também
Mas ninguém viu
Dei a mão para minha filha
E entrei em casa
Encontrei lá a morte feliz
Fui tomar banho
Arrumei meu rosto de lavrador no espelho do rei
Deitei na cama estendida
Fui beijado ardentemente
Quando me acordaram para trabalhar
Eu fui feliz.