As vestes

Hoje encontrei com a morte

Suas vestes negras eram na verdade coloridas

Seus olhos vermelhos eram na verdade azuis

Seu andar lento era na verdade veloz

Hoje esqueci de olhar a caixa de correspondência

Esqueci de pentear o cabelo

Iniciei então o novo dia

Nuvens prateadas se aprontavam

Barcos a vela flutuavam no céu

Dirigi aos deuses meus pecados mais capitais que encontrei em minha memória

Foram tantos que anotei nas areias da praia

Hoje escolhi um livro para ler

Aquele tipo de livro que o fim dele jamais está na última página

Tomei um café no centro da cidade com uma amiga

Entrei numa praça e escolhi um banco descascado para me sentar

Hoje eu acordei terno

Cheio de filhos para criar

Sentei-me na mesa de trabalho resoluto

Cheio de trabalho a não fazer

Comemorei os nascimentos bebendo vinho

O violão acendeu a fogueira

A luz amarela dançava no pensar de minha retina

Encontrei a felicidade nos cabelos

Fui a um museu com saudade de estar na selva

Fui me banhar no mar ouvindo as cachoeiras internas

Hoje me dirigi a um velho como menino

Pedi a minha esposa um jantar repleto de legumes invisíveis

Lavei roupa no quintal com minhas cadelas

Plantei um canteiro de alface como artífice do universo

No galinheiro, recolhi as galinhas

Já eram seis horas da tarde quando decidi sorrir

Meus olhos sorriram também

Mas ninguém viu

Dei a mão para minha filha

E entrei em casa

Encontrei lá a morte feliz

Fui tomar banho

Arrumei meu rosto de lavrador no espelho do rei

Deitei na cama estendida

Fui beijado ardentemente

Quando me acordaram para trabalhar

Eu fui feliz.

Toya Libânio
Enviado por Toya Libânio em 05/02/2017
Código do texto: T5903045
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