Como aquilo que aquém nunca vem

Eu não mais saberia fechar portas e janelas.

Eu não mais saberia encolher as mãos para orar.

Eu não mais saberia soluçar sem precipício.

Eu não sei mais.

Eu não sei mais esconder-me com os passarinhos

Lembrando teu canto doce sobre o meu ouvido.

Eu não sei mais sentar sozinho sem sentir tua mão na minha.

Eu não sei mais colher flor alguma sem lembrar da flor-daquela.

Eu não sei mais usar lápis como antes, com linhas suaves.

Parece que agora me dei conta de que era felicidade e podia ter sido seu e tu podias ter sido meu.

Parece que agora-“não importa mais”-por que eu continuo, tu continuas, as pessoas sempre continuam.

Eu não saberia mais entender o porquê do meu não, o porquê do teu quase.

Eu não saberia mais compreender por que o teu gosto permanece, por que com o ar brando da manhã e o vento sulcoso do entardecer é o teu cheiro que sinto.

Eu só sei andar, muito mal, mas ainda sei.

Eu ando. Eu sigo. Eu me vejo pouco, eu te vejo pouco.

Sobraram apenas lixas condoídas.

Sobraram apenas carinhos calcificados.

Sobrou o meu ventre quente sobre o teu ventre um tanto gélido.

As sobras importam? Mudam o rumo que não tomei? Alteram o que não fiz?

Elas-mortas-vivas mostram um ainda que não seja hoje.

Como um meninão, como um meninão, fico parado.

Bola de gude na mão direita, pirulito multicolorido na esquerda.

Sentado no banco da pracinha.

Eu sempre fiz tudo ruir.

Eu sempre faço tudo ruir.

Mas a ti, as lembranças da graça, do sublime anoitecer, da madrugada vaporosa, da manhã em chuva, da calçada em chuvisco, do ponto de táxi, do até logo, do breve.

O beijo. Raspas de limão azedinho, colherada de mel, ferrão de abelha.

O beijo não foi teu, não foi meu. O beijo foi nosso, pois naqueles dias fomos simplesmente UM.