O Papo Chato de Sempre

Revirava os olhos de tédio,

cansado com o desfazer

de tanta coisa, tanta gente

que fala do mesmo papo chato

– retrato de um mesmo pôr de sol.

O estômago embrulha

com o desagrado de tanto circo,

tanto espetáculo. ”Espetáculo...”

Espeta a alma o tabernáculo

de tanta dor e fantasia,

esse monte de desleixo,

preguiça de ser-outros,

como a minha, pobrezinha,

que não tem o que fazer em si

e vai de si dizer a quem não ouve

porque faz a mesma coisa.

Sentia uma câimbra no cérebro,

submerso em uma terrível hemorragia

de cultura humana que reclama,

proclama, conclama suas dores,

romantismo, orgulho, preconceito

e papo chato. É chato quem reclama,

e é chato quem se ama demais

e quer versificar o tempo todo.

Diversificar, então, quem é que pede?

Eu peço. Mas peço a mesmo passo,

com a azia da pimenta que me lançam:

sem uma palavra, a onda de amores,

de rancores, sertanejo e humanidade,

o que me pede senão um desenho

feito de catarro? Só pra variar –

pra avariar esse clima sempre nobre,

sem nobreza, de tão gasto, muito pobre.

E o sem-nome, nessa sede

de brincar e não o chamam,

nessa fome de jogar de alguém um jogo,

fechou os olhos e reclamou em versos.

Já não aguentava a velha arte.

Nem com planetas quis rimar.

Poderia. Sim, poderia, é claro,

mas optou por escarrar

e cuspiu pra cima, de propósito.

Julião Morsa
Enviado por Julião Morsa em 26/11/2016
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