São Paulo
Poderia eu ser uma borboleta?
Previamente colorida
Planejadamente colorida
Hoje em meio a folhas verdes
Vindo de um cinza estonteante
Meio preocupante
Senão totalmente emergente
Movendo-me as asas
Em movimentos incoordenados
Tão descoordenados
Quase ao implorar
Pra que as asas desconsiderem os remendos
E possam dançar
Saí do branco com preto
Não com intenção
Alguma
De descinzentar
A mim
Ao meu andar
Saí infame
Por dentro
Por deixar cada desconcerto
Me desconcertar
Fez-me remendar as asas
A alma
Agora é difícil dançar
Procuro um objeto que faça fogo
Ainda que as mãos estejam molhadas
Ao sair do rio
Algo que faça fogo
Acendo um cigarro
Pensando por onde as cinzas vou jogar
Dentro do rio
Ou no chão de concreto ao lado da cachoeira que vou me sentar
O concreto é mínimo
Onde eu vim parar?
Saí da feira com frutas industrializadas
Em cima da calçada
de concreto
E onde vim parar?
A feira aqui é atrás de casa
Tem laranja
Banana
Coco
É só subir e pegar
Onde eu vim parar?
Se três carros atrasando-me o caminho
Me incomoda
Raros são transitos em Rio Tinto
Rapidamente
Vêm-me a mente
As duas horas e meia
Na linha vermelha
Pra ir e pra voltar
Onde vim parar?
Se as pombas não roubam-me mais o pão na praça
Se as baratas
E as humanas baratas
Não pedem-me mais passagem
No centro da cidade
Para caminhar?
Se hoje vejo
Bichos preguiça
Tampando-me a vista
Do sol da praça...
Ô que falta
Daquela praça
Desfalcada
De intenção boa
De sanidade clara
A falta da sanidade
Levou a bondade
De poder esperar em paz
Que o cigarro
Ou a maldade
Acabasse.
E aquela avenida
Que aqui não caberia
Hoje só recordo-me
As súplicas
Em cada esquina
Por paciência
Por atenção
Por suplencia de tudo que faltava
Na dispensa
O que não bastava pra impedir
Certa vontade de ver aquele tanto de prédio cair
Mas assumindo
No fundo
Que a quina no dedo mindinho
O prédio cobrindo os passarinhos
Ensinava o cinza a ser bonito.
Hoje em rio tinto
Torço para ver um dia todo com chuviscos
Aquele frio de junho
E os mesmos rabiscos
Mais um remendo para as asas
Que de tanto desfuncionarem
Quis fazer funcionar
Talvez tantas cores tenham ajudado a remendar...
Então danço sozinho
Um samba tristinho
Que conheci há pouquinho...
Quando aceitei que posso dançar por um arco iris inteiro
O cinza
São Paulo
É meu ninho.
E aqui, meu querido
Longe
Em Rio Tinto
Me lembro de ti
E das vezes que tentara deixar de ser solitário
E eu te acompanhei
Pensando estar tentando o contrário
Mas dançamos juntos
A madrugada inteira
Sozinhos.