FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE

A FEIRA

Que nada tem a ver com a falta de dinheiro e de educação no trânsito

E com a fome do morador de rua.

As moças que atendem com um sorriso de funcionário público:

As gurias das bancas do TRT, do TJ, nada têm a ver com a falta de recursos

Dos municípios que batem panela na banca da Assembléia Legislativa.

A formosura da sessentona, não precisa de plástica nem botox,

Necessita somente de livros, crianças, professores, gente, excursões,

Autógrafos, cultura e um calor que coroa os sonhos de novos autores.

A cortesia do último lambe-lambe, nada tem a ver com as pessoas que fazem self ao lado do

Quintana e do Drummond, dando um pouco de beleza ao tédio das redes sociais.

Os saldos de sonhos, as promoções: 1, 5, 10 Reais, as realezas que o ano todo passam despercebidas.

Mas a Feira, a que vem de dentro, a invisível, a que habita uma qualquer alma,

Sabe das estatísticas da fome, dos assassinatos, dos roubos de carros, da falta de gentileza de quem não cede o lugar no coletivo às mulheres grávidas,

Do nome que consta no cadastro geral de inadimplentes,

Da deselegância de quem não suporta o calor,

De uma classe média endividada, preconceituosa, com medo das ruas, trancadas em apartamentos.

A feira, o dentro de uma ânsia ( o livro que não foi lançado),

O passo afoito do jovem que quase atropela o ancião, ávido por tantas obras,

Relembrando os amigos, as letras gentis de um passado distante e irremediavelmente erudito: mademoiselle, monn cherry, bonjour, au revoir.

A Feira, que um dia foi embrião, foi o antes do vernáculo.

A Feira um dia balbuciou palavras desconexas, porém proféticas.

A Feira de hoje,

Que nada tem a ver com o analfabetismo funcional,

Que nada tem a ver com o toque de recolher nas vilas,

Com o vício do operário pela cachaça, a praça, os velhos jogando dominó,

Tentando reverter o tempo, reverter a sorte, enganar a morte.

A Feira que hoje é rocha basilar da memória de um sol à pino,

Latino – americano, que exibe o Chê e a Coca-Cola.

A Feira e seus diversos patronos (eternos amantes):

O sorriso da Jane Tutikian ainda transborda as prateleiras cheias de livros.

A Feira: “ no princípio era o verbo...”

A Feira, que nada tem a ver com a tecnologia (beijo sem amor).

No princípio era água, à beira de um Guaíba que transbordaria em 41.

Ela, que nada tem a ver com a inabilidade da coisas do Criador, murmuradas

Por reles mortais da Assembléia de Deus, das Testemunhas de Jeová, dos Mórmons e dos Cristãos que repetem, todo ano, os mesmos pecados e ensaiam as mesmas desculpas para o padre e para Cristo.

A Feira, sob olhar secular e europeu do Clube do Comércio, que mais parece uma Pavão pousado na Rua da Praia

Tamanha sua elegância em art decô..

A Feira que todo ano tenta, em vão, a exumação do cadáver de um certo

Poeta que foi enterrado em um saldo qualquer.

Alexandre Lettner
Enviado por Alexandre Lettner em 11/07/2016
Código do texto: T5694381
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