à merda o mundo!

se ao fechar os olhos

hoje

eu dormisse,

e dormisse mais do que hoje,

livre de acordar amanhã, livre desse imenso castigo,

de todos os pecados, da vida.

se pudera quem sabe

sonhar de novo,

como quando era bem jovem,

como quando era criança.

— muito cedo foi que tudo anuviou-se

e o coração fez-se marasmo,

sarcasmo,

nem sei quando foi que enlouqueci.

se vivo, há muito foi que morri.

se me veem gastando minha saúde por aí afora

é que isso pouco me importa...

estar vivo já não me é preocupação.

vá à merda o mundo com sua insensível moralidade,

com seus ditames cruéis,

com essa incapacidade que tenho de ser melhor,

de homem,

que nasceu comigo

e que morrerá comigo...

vá à merda o mundo, porque não gosto de si!

desde que era adolescente preferi os cemitérios

a toda gente,

ao comércio e ao shopping center!

preferi escrever poemas e olhar estrelas

às festas e às reuniões.

depois, agora, com estes olhos de mil anos

e minhalma suja,

perdi, enfim, mesmo a poesia...

minha sina é maldita,

quero amortalhar-me e dormir, esta noite,

com minhas cobertas.

oh, não me acordem, por favor!

não vale a pena. não vai fazer diferença.

eu só quero dormir.