ORAÇÃO À BANDEIRA

(Reflexos da mais bela página em prosa de Olavo Bilac)

"Pulchra es, et decora: terribilis ut castrorum

acies ordinata."

(SALOMÃO - Cântico dos Cânticos)

I

Bendita sejas tu, esplêndida Bandeira,

Pela tua beleza heroica e varonil;

Bandeira sempre augusta e sempre alviçareira...

Bendita sejas tu, Bandeira do Brasil!

Tens a alegria sã de uma árvore florida,

A solene altivez de um arco triunfal;

Pendão da minha Terra: és Carne, és Alma, és Vida,

Ontem, hoje, amanha, Bandeira sem rival!

O teu verde!... É o matriz das nossas esperanças,

A eterna adolescência, o perpétuo verão

Da nossa terra, o mar de grandes ondas mansas,

A ternura ideal do nosso coração.

O teu Azul!... É este céu que sobre nós se arqueia

E as portas de safira abre de par em par,

Céu tão perto de Deus que a hóstia da luz cheia

Deus mesmo é quem levanta, inefável, no ar!

O teu Ouro!... É este sol que gera e que alimenta

_ Pai das searas, pai dos sonhos, pai do amor _

Sempre a acender da Vida a chama violenta,

A arder no sangue, a arder na pedra, a arder na flor!

II

Quando das lança no alto ou na ponta dos mastros,

Flutuas soberana e o sol brilhar te faz,

Como bençãos de Mãe que partissem dos astros,

Desce o Bem, desce a Luz, desce o Amor, desce a Paz!

Quando ao som dos clarins, linda, subir te vejo

Ó Bandeira da Pátria, auriverde pendão,

Entram-me destro d'alma as carícias de um beijo,

A harmonia de um canto, um perfume e um clarão!

Quando o vento, no espaço, o teu sendal desfralda,

O Povo sente a Pátria, ouve Deus, bebe a Luz,

No teu losango de ouro em campo de esmeralda,

No orbe teu Azul com cinco astros em Cruz!

E toda a nossa glória este Cruzeiro encerra:

A alma da nossa raça a crescer, a lutar,

Ora à sombra fatal da asa negra da guerra,

Da asa branca da paz ora ao meigo ruflar.

Foi esta Cruz que andou perdida no oceano,

E Deus plantou depois na terra virginal;

Ela que ouviu primeiro o grito sobre-humano

Do caboclo apontando as velas de Cabral,

Foi a primeira a entrar no abismo das florestas,

Das tabas no pavor foi a primeira a entrar,

Sem medo à flecha ervada, ás febres mais funestas,

À peçonha da cobra, ás garras do jaguar.

III

A inquieta gestação de um grande mundo novo,

A infância do Brasil que o próprio Deus conduz,

O árduo desabrochar formidável de um povo,

Toda a história da Pátria eu vejo nesta Cruz:

O trágico e solene encontro das três raças

Que fizeram de bronze os braço do Brasil...

Mais ardente que o sol, mais dura que as couraças.

A alma do português, temerário e gentil.

Bardo e guerreiro, dando ao mundo inda mais mundos,

Abrindo o abismo, abrindo a terra, abrindo o céu,

A saudade a arrulhar pelos mares profundos,

A espada a refulgir, sem medo e sem labéu;

O estóico labutar do cíclope africano,

Lavrando a gleba e fecundando, á chuva e ao sol,

Cidades e sertões, num esforço inumano;

- Negrume que se fez sangue, seiva, arrebol! -

O indômito valor do índio orgulhoso e forte.

Ajudando a expulsar o bátavo e o francês,

Que à vida entre grilhões prefere o exílio e a morte

De pé, na sua heroica e estupenda altivez!

A conquista da mata, a vida merencória

Nos bárbaros rincões, sem lei, sem lar, sem pão...

O delírio do povo, em dias de vitória,

Aos repiques do sino, ás salvas de canhão.

Entre a queda e o triunfo, entre riscos e arquejos,

Escalando a amplidão, das trevas para a luz;

Quatro sé'los de dor, de preces e de beijos,

Tumultuam, subindo, em busca desta Cruz!

E para o seu fulgor, fulgor que nada empana,

Pelos tempos em fora, hão de sempre voar,

Do ateísmo quebrando a gargalheira insana,

O amor de Deus, o amor da Pátria, o amor do Lar!

IV

Bendita sejas tu, esplêndida Bandeira,

Pela tua beleza heroica e varonil,

Bandeira sempre augusta e sempre alvoçareira!

Bendita sejas tu, Bandeira do Brasil!

Seja brisa ou pampeiro o vento que te agita,

Com fúrias de borrasca ou meiguices de luar,

Esse cento saiu da floresta infinita,

Andou na vastidão nostálgica do mar!

As espumas roços das nossas cacheiras,

O Amazonas, o pampa, os lagos, o sertão;

Beijos a fronte azul das nossas cordilheiras,

Depois de haver beijado os astros na amplidão!

Dai todo o esplendor de maravilhas, tantas,

Esse encanto supremo e sobrenatural...

E é por isso que assim brilhas, perfumas, cantas,

Estrela, aroma, voz - meu lábaro imortal;

Pendão que espedaçando as forcas e os baraços

Se em batalhas entrou bão foi para roubar,

Ao mundo inteiro abrindo os carinhos braços

E aos náufragos da vida a porta do seu lar!

V

Bandeira! Á tua guarda eterna e poderosa,

Viçam como jardins as matas e os sertões;

Ondeia o Rio-Mar, fulge a serra alterosa,

Rola da catarata a espuma em turbilhões;

Zumbe a torvelinhar, da cidade a colmeia;

Brotas a seara opulenta, onde a enxada reduz...

A escola ensina, a igreja reza, o lar gorjeia...

- Sinfonia da Paz que o Verso não traduz! -

Meu Cruzeiro do Sul, timbre da minha Terra,

Brazão do meu País, selo dominador,

Inaudito sinal que os déspotas aterra,

Lema de Deus, Farol da Paz, nume de Amor!

Que um dia ela sufoque esta invicta Bandeira

O rancor que desume, a inveja que destrói

No seio forte e bom da Gente Brasileira,

Os germens virginais de onde surge o herói,

Alçando os corações, dando aos fracos - coragem,

Aos fortes - tolerância, aos crentes - mais ardor,

O brio - a quem recua em meio da voragem,

Ao cérebro - mais luz, ao braço -- mais vigor,

Semeia a Força e a Fé - Bandeira -

Ensinando-nos a crer, a subir, a lutar,

Estendendo a tua asa, imensa e protetora,

Sobre a Pátria ideal que queremos criar,

Pátria linda e risonha em sua Paz honrada,

Mas o gládio da guerra ao alcance, da não

Terrível e formosa, austera e desvelada,

Com estrelas na fronte e Deus no coração!

VI

Bendita sejas tu, pela tua imponência

E pelo teu encanto! Em ti cremos, por ti

Trabalhamos, cantando, ao sol da Independência,

Enquanto Deus, lá do alto, e sorri!

Bendita sejas tu, pela glória passada,

E a glória que há de vir, Bandeira triunfal!

Una-se o arado à lira, una-se o livro à espada,

Para o mesmo labor, pelo mesmo ideal!...

Bendita sejas tu, esplêndida Bandeira,

Pela tua beleza heroica e varonil,

Bandeira sempre augusta e sempre alviçareira!

Bendita sejas tu, Bandeira do Brasil!

7 de setembro de 1922.

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 19/07/2015
Reeditado em 19/07/2015
Código do texto: T5316279
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