Funeral do outono

Eis que hoje avançamos

na marcha triste

do funeral do outono

a levar consigo a euforia

das tardes entornantes

e dos poentes plenos de finalidade.

Consta nos astros

os mesmos que anunciaram

em dueto

a existência do amor e da paz

que o solstício implacável de inverno

há de se cumprir.

Todos a postos

presenças recolhidas

palavras encapuzadas

poemas sob mantas

cantigas estranguladas por cachecóis

e desejos sufocados em sobretudos

Tudo na fina e imponente elegância do silêncio

Adeus amarelo ocre...

Adeus manhãs magiadas de azul,

coloridas de giz de cera...

Morre o outono doce

na chegada das longas

noites escuras

a despeito de todas as invocações,

cartas, contos e preces

súplicas e apelos vários

indignos de nota

todos sem resposta

Afora esta

do inexorável

curso da vida

leito do rio que a tudo movimenta.

A esperança,

a esperança que faz esperar

a única que restou

no cinza deste desconsolo

é o milagre da gestação:

o inverno é grávido de primavera.