A SANTOS DUMONT

(ODE CONDOREIRA)

Asas! Voar como as nuvens,

Como os condores voar;

Roçar com a fronte as estrelas,

Mais perto de Deus chegar!

Loucura, sonho, utopia

Do homem, que há séc'los sofria

Na sua estreita prisão:

Os pés fincados nas vazas

E os ombros pedindo asas,

E a alma pedino amplidão!

Zombar das leis do equilíbrio;

Subir; conquistar o céu;

Quebrar a brônzea cadeia;

Romper do Mistério o véu;

Achar um dia o segredo

Das aves; galgar sem medo

O Espaço; poder voar,

Abrir asas sobranceiras,

Passar sobre as cordilheiras,

E Sobre os mares passar!

Velho sonho mitológico:

Ser do Azul dominador;

Repetir o vôo d'Ícaro,

De novo as nuvens transpor!

Mas onde essa voz secreta

Que, nas masmorras de Creta,

Lhe deu forças pra subir,

Quando o rei, cheio de assombros,

O viu, com asas nos ombros,

Por entre as águias fugir?!

Séculos passam, mais séculos...

E o Homem sempre a sonhar,

À procura as Américas do Ar...

Curvados sobre alfarrábios,

Noite dia, os grandes sábio,

Traça cálculos sutis;

E erguendo todos a fronte,

Na escuridão do horizonte,

Procuram debalde o xis.

Outros séculos, mais séculos.

No Brasil, eis surge então,

O Feiticeiro dos Ares:

Bartolomeu de Gusmão!...

Pede ao fogo asas... e voa,

Malassombrando Lisboa!...

E a Inveja - negro chacal -

A ladrar-lhe sempre ao lado...

Foge, mendigo, exilado,

E morre num hospital!...

Cem anos mais... de repente

Paris assombrado vê,

Desafiando as alturas,

Um novo Montgolfier!...

Um pendão de ouro esmeralda,

À papa, o vento desfralda

Do milagroso batel!

Um grande grito reboa:

É Santos Dumont que voa,

Em volta da torre Eifel!....

Das lusa plagas, um dia,

Temerários, rumo ao Sul,

Sem pavor da Morte, partem

Dois Argonautas do Azul:

É Continho, é Sacadura!

O Gênio unido à Bravura

Que a mesma idéia traduz;

Desvendar, não pelos mares,

Mas sobre as ondas dos ares,

As terras de SANTA CRUZ!

Conquistadores do Espaço,

Voam da Europa ao Brasil!

Acham mesquinha essa glória,

Esse triunfo pueril...

Querem mais! Ainda é pouco...

Procuram, num gesto louco,

Mil prodígios descobrir...

Tudo estava descoberto!

Não importa... longe ou perto,

Algo novo há de existir...

As grimpas sobem dos montes,

Descem vales, sem parar,

Seus olhos, como os das águias,

Interrogam céus e mar...

E soltam, de chofre, um grito

Os pilotos do Infinito:

E um braço que Deus conduz,

Do abismo do esquecimento,

Arranca nesse momento,

Um nome escorrendo luz!

E Sacadura e Coutinho

Descobrem Santos Dumont!

Onde faltava uma estátua

Levanta-se um Panteon!

São glória de um mesmo Povo

Que o mesmo sangue, inda novo,

Faz viver, subir, criar!...

São irmãos que, abrindo os braços,

Mesmo através dos espaços,

Nunca se hão de odiar!

Abraçam-se os tres gigantes!...

Cena augusta, hora imortal:

Quando os lábios portugueses

Sobre a fronte genial

De Santos Dumont pousaram,

As duas Pátrias choraram!...

É que Deus, sempre, dos céus

Abrindo o eterno proscênio,

Para as vitórias do Gênio,

Faz das pedras, - troféus!

Salve! Heróis da mesma raça,

Vós que ligastes, de vez,

O coração brasileiro

Ao coração português!...

Esse beijo comovido

No grande nome esquecido,

Sabei-o, lusos Heróis,

Esse fez das gotas do pranto

Um diadema de sóis!...

Agosto de 1922.

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 16/07/2015
Reeditado em 16/07/2015
Código do texto: T5312845
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