ING -WHO

(CV)

(PARÁFRASE)

"Le long du fleure jaune,on ferait bien des lieues "

"Avant de rencontrer un mandarin pareil"

Louis Bouilbet

A cena léguas da foz do Yang-Tsé-Kaiang, na fralda

De um monte, em seu quiosque esplêndido de barro,

Mora o meu velho amigo, Ing-Whô, um bizarro,

Bojudo mandarim de borla de esmeralda.

Quem não conhece Ing-Whô, do Kukhunoor ao Ganges,

Com seus olhos de onix, piscos, sem sobrancelhas,

Seus minúsculos pés, unhas vermelhas

E, como devem ser, mais longas que as falanges?

Veste sempre um roupão, verde, de seda crua,

Onde se vêem dragões bordados de escarlate;

Na cabeça um chapéu com lhamas de ouro mate

E nos pés uns chapins de bico em meia lua.

Num cinto largo traz dois espadões de guerra,

De cabos de marfim e lâminas de cobre,

Que lhe dão certo ar belicamente nobre,

Mas cujo reluzir ninguém jamais aterra.

À sombra dos bambus, sem o menor desdouro,

De ventre para cima, é que ele cisma e estuda,

Cantando a meia voz versículos de buda,

Fumando em seu cachimbo ópio e tabaco louro.

Quando ele vai rezar, à tarde, no pagode,

Luzidio, redondo, envernizado, farto,

Todo verde a brilhar como um grande lagarto,

Reboliço n' aldeia!... o povo todo acode...

Murtas descomunais, cedros altos de um palmo,

Vicejam dentro de boiões de raolim,

Nessa alameda em Z, por onde altivo e calmo,

Solenemente passa o velho mandarim.

E torcendo o bigode, a ventarola a abrir,

Ao fresco abrigo dum largo chapéu de sol

Que respeitos empunha um fâmulo mongo,

Sente-se tão feliz que ás vezes pôe-se a rir.

E não se ilude: tem riquezas fabulosas,

Quiosque de verão, de porcelana branca,

Peto de uma cascata onde a água nunca estanca,

Dentro dum bosque de sândalo e de rosas!

Possui campos de arroz, canaviais de léguas,

Barricas cheias d'ouro, honras de mandarim

Letrado, uma porção de escravos, linda éguas

D'Arábia para o coche e um palácio em Pequim;

Soberbo palanquins, onagros do Indostão,

E para navegar, ancorado no manque,

Um junco imperial de velas cor de sangue

Cujo convés dourado é todo de charão.

Inda forte, apesar do seu rabicho branco,

Tem, como a lei permite, oitenta e seis mulheres;

Louras do Monte Ural, negras do lago Méris,

A todas dispensando o mesmo riso franco.

Ing-Whô sabe de cor quase todo o alfabeto

E até pode marcar as conjunções de um astro;

Beija pela manhã um grande Buda preto,

Cujos olhos são dois losango de alabastro.

Ninguém no império chim possui melhor cosinha,

Melhor adega com vinhos de toda a cor;

Janta línguas de gato e ninho de andorinha,

Bebe do mesmo châ que bebe o Imperador!

Quando anoitece, vem, cruzando as duas pernas,

Sentar-se na varanda esteirada de vime;

E começa a cisma o mandarim sublime,

Chupando o seu cachimbo á luz de cem lanternas.

E pouco a pouco, vai palpebrejando e estaca,

Deste êxtase no meio, - alma beatitude!...-

Ficando, a noite toda assim nessa atitude,

Ao lento fumegar das caçoulas de laca.

.....................................................................

Lá muito longe, lá nos últimos confins

Da China, em seu quiosque esplêndido de barro,

Há noventa anos mora um mandarim bizarro,

Ing-Whô, meu velho amigo, o mais feliz dos chins.

1895. agosto.

LIRA MODERNA - Diário de Notícias.

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 22/03/2015
Reeditado em 22/03/2015
Código do texto: T5178801
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.