COISA DO AMOR

(LXXXIX)

Como são tolos os apaixonados,

Quando os persegue a cócega do Amor,

Deste mal que por mal de seus pecados

Quis Deus no mundo por!

Como nós somos tolos! sim, porque

Ninguém, ninguém desta doença escapar;

A cousa vem de longe, a gente o vê,

Bebe-se isto na papa.

Um dia vê-se a "cuja":

É um "quê" que se sente e não se explica;

Tape os olhos, em vão, disfarce ou fuja,

Há de ficar e... fica!

Primeiro dissimula,

Mas em casa suspira noite e dia;

Desassocego: é a Razão que azula!

Contemp!ações: é a Paixão que espia!

A coisa afinal gréla;

O desgraçado póe-se a versejar,

Rimando ufano bela com janela

E soluçando estrofes ao luar.

Toma uns ares d'Hamlet, um modo feio

De quem sofre de cólica ou de calos;

Bravios ficam muitos, não há meio

Nenhum de consolá-los!

Sofre-se. Um belo dia tudo espira;

Irritação da bela desumana!

Foge-se, novo ataque, nova birra,

Uma peleja insana!

Qu'importa! o pobre teima e persevera,

Tragando tudo pacientemente,

Até que enfim aquela voz severa

Se muda de repente.

Doce instante sublime!

Apesar de ser sempre mesma cousa,

Ele, mas como quem perpetra um crime,

Ela, mas como ouvir não ousa.

Ele, de olhos no céu: Eu te amo!... Pausa.

Ela, de olhos no chão :Eu te amo! E " zás"...

Um choque em todos os dois, o efeito e a causa,

E está firmada a paz.

Mas é ai que a porca torce o rabo!

Toque a aturar quer queira quer não queira

O pai, a mãe, o irmão, o primo, o diabo,

A parentela inteira!

Depois os mexericos dos estranhos

Se intrometendo onde ninguém os chama,

Complicações de todos os tamanhos,

Dignas de encher um drama!

Surge um rival, a gente se incomoda

E com razão, se vê metido à bu'ha,

A cabeça começa a andar à roda.

O sangue reborbulhar!

Foge a paz, foge o sono, íoge o riso,

Foge o apetite, e nesta ocasião

Até algumas vezes foge o juízo,

Só não foge a Paixão.

Mas nada disto o pretendente empaca,

Adiante! a coisa agora ou racha ou vai!

Grita com os seus botões, veste a casaca,

E fala então com o pai.

O Sim! É tudo?Qual! Há muito ainda!...

Vê-se nossa honra agora num sarilho,

Uma taboca inesperada finda

Muitas vezes o idílio.

Afinal chega o dia,

O dia tão querido do noivado,

Casam-se e um beijo acaba esta agonia

E cura logo o pobre namorado.

O tédio após... Lá foi a flama ardente...

E diz-se então: Meu Deus, eu fui um doudo!

Pergunto agora: A coisa, francamente,

Valia a pena este trabalho todo?...

Janeiro, 1895.

LIRA MODERNA - Diário de Notícias;

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 18/03/2015
Reeditado em 18/03/2015
Código do texto: T5174685
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