DONA GUIOMAR
(BALADA MONORRÍMICA)
Dona Guiomar é branca e triste Como uma noite de luar.
Tem os cabelos cor de treva,
Os olhos tem da cor do mar.
Leva chorando noite e dia;
Ninguém a pode consolar.
Vive tão só! Vive tão triste!
O que terá Dona Guiomar?
Que faz assim toda de luto,
Sem arrecadas, nem colar?
Que espera, sempre, no mirante
Do seu castelo, à beira-mar?
Dona Guiomar é branca e triste
Como uma noite de luar...
-o-
Plangora baixo um alaúde,
A solarenga vai cantar:
(*)" Não chegou, Madre, o meu amigo,"
" Por que fugiu o perjurado?"
" Ay Madre, moyro d'amor"!
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(*) Do cancioneiro de D. Diniz - Século XVI.
" Não chegou, Madre, o meu amado!"
" Por que mentiu o Fementido?"
" Ay Madre, moyro d'amor!"
-o-
É tão saudosa essa cantiga,
Que faz a gente soluçar.
Até as cordas do alaúde
Parece que estão a falar.
Ai? Solarenga de olhos verdes
Quem te mandou assim amar?
-o-
Já sete são passados,
E Dom Fernando sem voltar!
Que anda fazendo Dom Fernando
Há tanto tempo, no alto mar?
Foi descobrir novos tesouros,
Foi novas terras conquistar.
Barricas d'oiro e pedrarias
Há de trazer, quando voltar,
Dona Guiomar, toda de branco,
Com ele, então, irá casar.
-o-
Dona Guiomar é branca e triste,
Como uma noite de luar.
Ricos fidalgos namorados
Batem à porta do solar;
Lorigas trazem de veludo,
Esporas d'oiro a tilintar.
Mas a donzela indiferente,
Nem para eles quer olhar.
Ai! Solarenga d'olhos verdes,
Quem te mandou assim amar?!
-o-
E assim passando vão os anos,
Anos de amor e de folgar.
Na solidão triste das águas,
Nem uma vela a branquejar!
É voz geral que Dom Fernando,
Há tempo já, morreu no mar.
Mas a donzela, triste e branca,
Não quer, não pode acreditar.
O velho conde, de alvas barbas,
Coitado leva a suspirar...
Vê quasi morta a sua filha,
E sem linhagem vai ficar.
Ai Solarenga d'olhos verde,
Quem te mandou assim amar?!
-o-
Nem muralhas do castelo
Escorre o pranto de luar;
E a onda a bater, soturnamente,
Na voz de um orgão faz cismar.
Parecem dois defuntos
As mãos de Dona Guiomar,
O seu cabelo tão escuro
Já principia a pratear.
E os olhos lembram moribundos,
Círios acesos ao luar.
Nem uma vela no horizonte,
Sempre deserto o vastos mar!...
-o-
Dizem que a noiva, branca e triste,
Como uma noite de luar,
Ficou alí no mirante,
Até morrer, fitando o mar...
E que ainda hoje, ás horas mortas,
Pelas ruinas do solar,
O seu fantasma gemebundo,
Anda saudoso, a doudejar...
-o-
Ai! Solarengo d'olho verdes,
Quem te mandou assim amar!
1900